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Quarto

“Quarto” foi escrito por Emma Donoghue, uma escritora de ficção contemporânea e canadense que ficou consagrada por esse romance, lançado em 2010. “Quarto” foi considerado o livro do ano em vários meios de comunicação e ficou na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos durante algumas boas semanas. Li esse livro esperando me confrontar com algo “hermético”.

Mas esse livro é simplesmente maravilhoso. Existem muitos livros abordando sequestros e outras violências. Uns contando experiências reais, outros recriando e tornando ficção essas mesmas experiências. Mas o diferencial deste livro está no “ponto de vista”. A abordagem é totalmente diferente.

“Quarto” nos conta a história de uma jovem sequestrada e mantida em cativeiro por sete anos e regularmente estuprada por seu captor e deixada sozinha. Ela fica grávida e dá à luz a Jack. Os personagens são: Jack, um menino que nasceu no cativeiro, em um espaço 10 × 10, que divide com sua mãe; o Velho Nick, o sequestrador, o elemento assustador do romance, sendo dez anos mais velho que a sequestrada, que já beira o fim de seus 20 anos. Apesar do confinamento, Jack é educado por sua mãe através da leitura fornecida pelo velho Nick (sequestrador). Eles possuem um fogão, comida, uma geladeira e podem até mesmo assistir televisão. Sim, eles têm televisão. Mas não é a cabo, então, eles só tem alguns canais. Sua mãe sempre explicou a Jack que o mundo dentro da televisão é imaginário.



Jack não sabe nada além de seu quarto, é feliz e ama aquele pequeno mundo. Ao contrário dos relatos asfixiantes que um trauma desse causa à vida de um menino, esse livro aborda o tema sob um prisma inusitado. E as perguntas afloram: - por que Jack não quer sair? Resposta simples: ele não entende por qual motivo seria necessário sair. Ele só conhece aquele pequeno espaço. Apesar de não ser um lugar seguro, ainda é o “seu” lugar, “seu” mundo. É tudo o que ele conhece. É do ponto de vista de Jack, um menino que acaba de fazer cinco anos, que este romance é contado. A abordagem inteligente suaviza o golpe de um tema que considero extremamente áspero.

Desta forma, o leitor se envolve pela ingenuidade e carisma desta adorável criança. Para minimizar essa dor, Donoghue faz a mãe de Jack repetir histórias infantis - principalmente "Alice no País das Maravilhas" e o “Pé de Feijão".  "Quarto” é uma história sobre o amor incondicional de uma mãe por seu filho e vice-versa. Apesar da dramaticidade, traz à tona toda fantasia contida no universo infantil e materno. A dedicação de uma mãe que faz com que a vida do filho seja a mais saudável possível, preservando a sua sanidade mental no processo de uma história nada usual.

À medida que lemos esse livro nos vemos tropeçando em um mundo absolutamente privado. Ambos viviam em paz durante o dia, assistindo televisão e lendo livros. A paz só era interrompida na hora que o velho, sequestrador, chegava à noite. Uma das passagens mais envolventes é quando o personagem-narrador começa a descrever a sua percepção sobre a televisão, único instrumento que traz o externo para dentro do quarto. O menino acredita que tudo que passa na televisão não existe na realidade e, como cada família tem a sua própria linguagem de códigos e as famosas piadas “das internas”, Donoghue consegue capturar isso de forma primorosa.

Porém, o quarto em que Jack cresce vai se tornando pequeno para ele. Sua mãe tem consciência de que ele precisa sair, de que está crescendo e vai querer mais respostas que serão difíceis de serem respondidas. Como eles podem sair? Qual o plano para que os dois ganhem a liberdade definitiva? Como a mãe de Jack vai convencê-lo a participar dessa fuga tendo ele apenas cinco anos? Que argumentos serão usados para alguém que tem no quarto a sua única existência? E o plano para uma fuga? Como Jack reagirá a isso tudo? Quando sua mãe explica que há um mundo fora do quarto, Jack não acredita nela. A mãe quer sair desesperadamente. Ela anseia por voltar a sua família e ao mundo lá fora. De repente, catapultado para um mundo que é ao mesmo tempo estranho e aterrador, Jack precisa romper com todos os laços criados dentro de um cativeiro que para ele era a sua casa, e isso é assustador. O sol e a lua são dois Deuses sem rostos. Quando seu mundo insular é expandido além dos limites das paredes, as consequências são extraordinárias, pois a vida no exterior requer muitos ajustes importantes, e os dois têm de aprender a conviver em um mundo cheio de outras pessoas.

A leitura de “Quarto” aflora sentimentos, pensamentos e emoções que se tornam difíceis em descrevê-las para você que está lendo essa resenha, e peço de antemão minhas sinceras desculpas se pecar, pois nada se compara a sua leitura. Algumas pessoas me perguntaram depois de ler a sinopse, inscrita no livro, se o livro não era muito infantil, já que é descrito na percepção de Jack, uma criança, e a resposta é “não”, a autora conseguiu equilibrar entre o infantil e o perspicaz, e você se vê na mente de um garoto que tem percepções e mesmo sendo algo engraçado e ao mesmo tempo assustador .

“Quarto” é um livro que vai fazê-lo olhar a vida de um outro modo. Ele vai ensinar você a pensar cautelosamente antes de tomar algo como “garantido”. Mais: ele vai fazer você perceber a importância de tudo o que você tem e valorizar sua liberdade - sua vida.


Data: 08 agosto 2016 (Atualizado: 08 de agosto de 2016) | Tags: Drama


< Sinfonia em Branco Leila Diniz >
Quarto
autor: Emma Donoghue
editora: Verus
tradutor: Vera Ribeiro
gênero: Drama;

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