Livros > Resenhas

Quarto

Emma Donoghue é uma escritora de ficção contemporânea e canadense. Seu livro “Quarto”, lançado em 2010 e finalista do prêmio Booker Prize, é seu título mais conhecido. Foi considerado o livro do ano em vários meios de comunicação e ficou na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos durante algumas boas semanas.

Comecei a leitura desse livro esperando me confrontar com algo “hermético”. Mas o livro é simplesmente maravilhoso.

O filme baseado na estória (ao qual ainda não assisti) concorre ao Oscar 2016 em quatro categorias, inclusive na de melhor filme.

Existem muitos livros abordando sequestros e outras violências. Uns contando experiências reais, outros recriando e tornando ficção essas mesmas experiências. Mas o diferencial deste livro está no “ponto de vista”. A abordagem é totalmente diferente.

“Quarto” nos conta a história de uma jovem sequestrada e mantida em cativeiro por sete anos e regularmente estuprada por seu captor. Ela fica grávida e dá à luz Jack.

Os personagens são: Jack, um menino que nasceu no cativeiro, em um espaço 10 × 10, que divide com sua mãe; o velho Nick, o sequestrador, o elemento assustador do romance, dez anos mais velho que a sequestrada, que já beira o fim de seus 20 anos. Apesar do confinamento, Jack é educado por sua mãe através da leitura fornecida pelo velho Nick. Eles possuem um fogão, comida, uma geladeira e podem até mesmo assistir à televisão. Sim, eles têm televisão. Mas não é a cabo, então, eles só têm alguns canais. Sua mãe sempre explicou a Jack que o mundo dentro da televisão é imaginário. Jack não sabe nada além de seu quarto, é feliz e ama aquele pequeno mundo.

Ao contrário dos relatos asfixiantes que um trauma desse causa à vida de um menino, este livro aborda o tema sob um prisma inusitado. E as perguntas afloram: por que Jack não quer sair? Resposta simples: ele não entende por qual motivo seria necessário sair. Ele só conhece aquele pequeno espaço. Apesar de não ser um lugar seguro, ainda é o “seu” lugar, “seu” mundo. É tudo o que ele conhece. É do ponto de vista de Jack, um menino que acaba de fazer cinco anos, que este romance é contado.

A abordagem inteligente suaviza o golpe de um tema que considero extremamente áspero.

O leitor se envolve pela ingenuidade e carisma dessa adorável criança. Para minimizar a dor, Donoghue faz a mãe de Jack repetir histórias infantis – principalmente “Alice no País das Maravilhas” e o “Pé de Feijão”.  

“Quarto” é uma história sobre o amor incondicional de uma mãe por seu filho e vice-versa. Apesar da dramaticidade, traz à tona toda a fantasia contida no universo infantil e materno. O romance mostra a dedicação de uma mãe, que transforma uma situação extrema de crueldade em algo minimamente saudável, preservando a sanidade mental do filho em todo esse processo. À medida que lemos esse livro nos vemos tropeçando em um mundo absolutamente privado. Ambos viviam em paz durante o dia, assistindo à televisão e lendo livros. A paz só era interrompida na hora em que o velho, o sequestrador, chegava à noite.

Uma das passagens mais envolventes é quando o personagem-narrador começa a descrever a sua percepção sobre a televisão, o único instrumento que traz o externo para dentro do quarto. O menino acredita que tudo que passa na televisão não existe na realidade e, como cada família tem a sua própria linguagem de códigos e as famosas “piadas internas”, Donoghue consegue capturar isso de forma primorosa. Porém, o quarto em que Jack cresce vai se tornando pequeno para ele. Sua mãe tem consciência de que ele precisa sair, de que está crescendo e vai fazer mais perguntas, às quais será difícil responder. Como eles podem sair? Qual o plano para que os dois ganhem a liberdade definitiva? Como a mãe de Jack vai convencê-lo a participar dessa fuga tendo ele apenas cinco anos? Que argumentos serão usados para alguém que tem no quarto a sua única existência? Como Jack reagirá a isso tudo?

Quando sua mãe explica que há um mundo fora do quarto, Jack não acredita nela. A mãe quer sair desesperadamente. Ela anseia por voltar à sua família e ao mundo lá fora. Planos são elaborados pela mãe, mas a inocência de Jack é o grande empecilho, já que ele sempre fora criado naquele quarto e sua pouca idade faz com que não compreenda as intenções da mãe.

Catalpultados para um mundo que é ao mesmo tempo estranho e aterrador, Jack precisa romper com todos os laços criados dentro do cativeiro, que para ele era a sua casa, e isso é assustador. O sol e a lua são dois deuses sem rostos. Quando seu mundo insular é expandido além dos limites das paredes, as consequências são extraordinárias, pois a vida no exterior requer muitos ajustes importantes, e os dois têm de aprender a conviver em um mundo cheio de outras pessoas.

A leitura de “Quarto” aflora sentimentos, pensamentos e emoções, que são difíceis de descrever para você que está lendo esta resenha, e peço de antemão minhas sinceras desculpas se pecar, pois nada se compara à leitura do livro.

Algumas pessoas me perguntaram, depois de ler a sinopse inscrita na contracapa do livro, se o romance não era muito infantil, já que é descrito pelo olhar de Jack, uma criança, e a resposta é “não”, a autora conseguiu equilibrar entre o infantil e o perspicaz, e você se vê na mente de um garoto que, por sua pouca idade, tem percepções engraçadas em um contexto aterrador.

“Quarto” é um livro que vai fazê-lo fazer você olhar a vida de outro modo. Ele vai ensiná-lo a pensar cautelosamente antes de tomar algo como “garantido”. Mais: ele vai fazer você perceber a importância de tudo o que você tem e valorizar sua liberdade – sua vida.

Um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 08 agosto 2016 (Atualizado: 08 de agosto de 2016) | Tags: Drama


< A dificuldade de ser Como curar um fanático >
Quarto
autor: Emma Donoghue
editora: Verus
tradutor: Vera Ribeiro
gênero: Drama;

compartilhe

     

você também pode gostar

Resenhas

Depois que você foi embora

Resenhas

A marca humana

Resenhas

Os Filhos da Viúva