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A Mudança do Mundo: novos conceitos para uma nova realidade

O livro de que falaremos hoje chama-se “A Metamorfose do Mundo: novos conceitos para uma nova realidade”, de Ulrich Beck. Embora inacabada devido à morte prematura do autor, a obra apresenta uma análise aprofundada de diversos eventos contemporâneos e sua convergência no que Beck denomina “sociedade de risco” — conceito já explorado por ele em trabalhos anteriores.

Nesse estudo, Ulrich Beck se propõe a fornecer uma perspectiva sobre a natureza do mundo contemporâneo. Em “A Metamorfose do Mundo” (2016), Beck explora seus pensamentos maduros sobre a modernidade e as mudanças climáticas, ao mesmo tempo que redefine o conceito de  “sociedade de risco” que ele havia cunhado em 1986. Antes de abordá-los, gostaria de fazer uma brevíssima biografia do autor.

Ulrich Beck nasceu na cidade pomerana de Stolp, na Alemanha, hoje Slupsk, na Polônia, ao sul da costa do Báltico. Ulrich era o caçula de cinco irmãos, com quatro irmãs mais velhas. Seu pai, Wilhelm, era oficial da Marinha e sua mãe, Margarete, enfermeira. Ao final da Segunda Guerra Mundial, sua família partiu para o que se tornaria a Alemanha Ocidental, e ele cresceu na cidade de Hanover.

Em 1966, abandonou seus estudos de direito em Freiburg para cursar sociologia, filosofia, psicologia e ciências políticas na Universidade Ludwig Maximilians, em Munique, com o apoio de uma bolsa de estudos para alunos talentosos. Seis anos depois, doutorou-se. Após cátedras em Munter (1979-1981) e Bamberg (1981-1992), retornou para a Universidade Ludwig Maximilians, onde permaneceu como professor pelo resto da vida. Entre muitos cargos e distinções internacionais, foi professor-visitante na Universidade de Gales, em Cardiff (1995-1997); na London School of Economics a partir de 1997; e na Foundation Maison de Sciences de l’Homme, em Paris, a partir de 2011.

Durante seus estudos em Munique, Ulrich Beck conheceu Elisabeth Gernsheim, renomada socióloga de origem judaica. Sua família, dispersa pelo mundo após o Holocausto, contrastava fortemente com as raízes provincianas alemãs de Beck.

Beck se descreveu como “beneficiário de seus pensamentos... com Elisabeth, sou forçado a viver a realidade ‘cosmopolita’ sobre a qual escrevo”. Em suas caminhadas regulares pelos Alpes Bávaros, desenvolveram grandes ideias e aprimoraram nuances de suas teorias: Elisabeth foi a sua crítica mais valiosa. Foram coautores de dois livros: “Caos Normal do Amor” (1990) e “Distant Love” (2014), este último sobre a cosmopolização dos relacionamentos.

Um outro detalhe da personalidade de Ulrich Beck é que ele passou grande parte de sua vida lidando com o passado difícil, o que o tornou um intelectual público europeu comprometido. Em seu livro “A Europa Alemã” (2013), lançou um apelo por uma Europa emancipatória de baixo para cima.

Uma curiosidade sobre um momento de Ulrich Beck, que sempre foi considerado um homem muito generoso. Ele pressionou com sucesso pela mudança do nome de uma praça chamada Max Weber para Max Weber. Calma, o Max Weber (nome original da praça) foi um cidadão proeminente em Munique. Beck pediu que o nome mudasse para o pai da sociologia também chamado Max Weber. A prefeitura concordou, e a Praça homenageou ambos.

Vamos ao livro?

O livro “A metamorfose  do Mundo: Novos conceitos para uma nova realidade”,  se propõe a fornecer uma perspectiva abrangente sobre a natureza do nosso mundo contemporâneo. Esse livro explora  os pensamentos sobre a modernidade e mudanças climáticas ao mesmo tempo em que redefine o conceito de “sociedade de risco”.

O conceito de “sociedade de risco” de Ulrich Beck refere-se a uma sociedade caracterizada pela produção e distribuição de riscos em vez da produção e distribuição de bens. De uma forma bem simples podemos dizer que a sociedade de risco é uma forma sistemática de lidar com os perigos e inseguranças induzidos e introduzidos pela própria modernização.

Em uma sociedade de riscos, a principal preocupação não é mais a distribuição de riqueza, mas sim a distribuição de riscos e a gestão da incerteza. Beck argumenta que a sociedade moderna se tornou cada vez mais complexa e interconectada, levando à criação de novos riscos de alcance global e potencialmente catastrófica em suas consequências.

A sociedade de risco surgiu como resultado da sociedade industrial. O consumo excessivo de recursos naturais, no qual a primeira modernidade fundada resultou da crise ecológica. Se na primeira modernidade, os perigos e riscos advindos da natureza e do controle humano – como terremotos, inundações e fome – eram riscos que o homem moderno era capaz de controlar por meio da industrialização e do crescimento da ciência moderna, na segunda modernidade, as ameaças – como a crise financeira global, o terrorismo, o aquecimento global, a poluição do ar e os acidentes nucleares – emergiam das ações humanas coletivas, bem como de políticas econômicas em sociedades industriais, como resultado de seus esforços para controlar as ameaças e criar novas oportunidades.

Entre esses riscos, destacam-se a globalização dos perigos — como as mudanças climáticas, as crises financeiras e as pandemias. As ações humanas contra o meio ambiente têm gerado consequências significativas tanto para a natureza quanto para a sociedade.

Beck inicia seu livro discutindo o conceito de metamorfose. Segundo o autor, o mundo está se transformando dramaticamente, traçando uma distinção entre conceitos de “mudanças e metamorfose”. Rotular as transformações mundiais como mudanças implica que algumas coisas mudam, mas outras permanecem iguais — “o capitalismo muda, mas alguns aspectos do capitalismo continuam como sempre foram”.

A metamorfose é diferente, implica numa  transformação mais ampla e duradoura, utilizando o conceito de mudança e indo além da mudança exclusivamente. Metamorfose significa mais do que um caminho evolucionista, é mais do que isso — significa uma mudança extraordinária de visões de mundo e reconfigurações da visão de mundo nacional. Ele argumenta que o conceito de metamorfose implica que velhas certezas estão desaparecendo e que nosso ”mundo” está passando por uma profunda transformação cujo resultado escapa  aos limites da nossa racionalidade. Beck dá uma atenção especial à ilustração do processo de metamorfose.

Para explicar  seu conceito de metamorfose, Ulrich Beck utiliza a metáfora de uma lagarta, que é incapaz de imaginar a borboleta em que se tornará. Mais adiante Beck argumenta que estamos partindo de um “nacionalismo metodológico” em que a ideia de nação é uma estrela fixa em torno do qual o mundo gira, sendo suplantado por uma perspectiva cosmopolita, em que o “mundo” e a “humanidade” estão no eixo e as nações giram em torno deles. Tal mudança de paradigma implica que, devido ao fato de sermos um mundo digital em risco, as fronteiras dos Estados-nação sejam renegociadas e ocorra o processo que Beck chama de “cosmopolitização”.

Galileu descobriu que o sol não circula em volta da Terra, mas que é a Terra que circula em volta do sol. Hoje o risco climático nos ensina que a nação não é o centro do mundo. O mundo não está circulando em torno da noção de nações; são as nações que circulam em uma ordem cosmopolita. A internet é um exemplo disso. A internet cria o mundo que interconecta literalmente todo o mundo. E é nesse espaço que as fronteiras nacionais desaparecem. As nações giram em torno de um mundo em risco.

“Nacionalismo metodológico, é a lição do sol girando em torno do mundo, ou, para expressá-la de outra maneira, a lição do girar do mundo em torno da nação.” Cosmopolitismo metodológico”, ao contrário, é a lição da Terra girando em torno do Sol, ou melhor, a lição das nações girando em torno do “mundo em risco. De uma perspectiva nacional a nação é o eixo, a estrela fixa em torno do qual o mundo gira. De uma perspectiva cosmopolita essa imagem de mundo centrada na nação parece historicamente falsa. A metamorfose do mundo significa que a metafísica do mundo está mudando. (pág. 19)

Beck associa “Metamorfose” a um conceito que ele chama de virada copernicana 2.0. Ele argumenta:

“Todos nós sabemos que a lagarta irá se metamorfosear numa borboleta. Mas será que a lagarta sabe disso? Essa é a pergunta que devemos fazer aos pregadores da catástrofe. Eles são como lagartas encasulados na visão de mundo de sua existência de lagarta, sem se dar conta de sua iminente metamorfose. São incapazes de distinguir entre decair e transformar-se em algo diferente. Veem a destruição do mundo e de seus valores, quando não é o mundo que era perecendo, mas sua imagem”. (pág. 31)

A metamorfose é um conceito diferente de transformação. A metamorfose incorpora o poder da mudança em direção a horizontes cosmopolitas de expectativa normativa. A metamorfose difere do conceito de transformação. A teoria da transformação, implica em associações como pós-socialismo, teleologia, que para Beck são contraproducentes aqui.

A metamorfose é diferente, implica numa uma transformação mais ampla e duradoura, utilizando o conceito de mudança e indo além da mudança exclusivamente. Metamorfose significa mais do que um caminho evolucionista, é  mais do que isso; significa uma mudança extraordinária de visões de mundo e reconfigurações da visão de mundo nacional.

Os Estados-nação estão se tornando cosmopolitas.

“A metamorfose europeia não significa que os Estados-nação desaparecem, mas significa uma “revolução copernicana”: a Europa não está mais girando0 em torno do Estado-nação como o sol parece estar girando em torno da Terra: os Estados-nação irão girar em torno da Europa, assim como a Terra está girando em torno do Sol. Isso significa que o Estado-nação está se metamorfoseando” ( pág. 201;pág 202)

Eles foram minados por duas guerras mundiais e a ameaça de conflito nuclear na Guerra Fria. Problemas como os do meio ambiente, crime, terrorismo, direitos humanos, guerra, saúde e armas de destruição em massa são globais. A economia mundial foi globalizada pelo neoliberalismo e pela mobilidade do capital e é caracterizada por maior interdependência e instabilidade. Sistemas fragmentados de governança global e regulação da economia. Migrações transacionais, comunicação e a cultura levaram a um maior senso de identidade transnacional que poderia sustentar a cidadania global em uma democracia cosmopolita.

Beck defende a substituição do conceito ultrapassado de nacionalismo metodológico de centralizar o mundo em um Estado-nação com o conceito de “mundo em risco” por meio de uma globalização cosmopolita e cooperativo. Ele argumenta que o mundo de hoje é cosmopolita e qualquer um que desafie e resista está fadado ao fracasso. Mesmo as pessoas que nunca saíram de seus lugares são cosmopolizados. Pessoas que nunca saíram de suas aldeias, nunca viajaram de avião estão ligados ao mundo de uma maneira ou de outra são afetadas por riscos globais. E estão ligadas ao mundo em especial porque o telefone celular se tornou parte essencial do nosso cotidiano através do globo.

No mundo cosmopolizado, até eleições nacionais são organizadas de maneira cosmopolita: os partidos que querem vencer precisam obter os votos de cidadãos no exterior. Estados reagem aos criminosos cosmopolitas. Os antieuropeus têm assento no Parlamento Europeu ( de outro lado ele não teria nenhuma importância).

“Mas as eleições europeias de maio de 2014 e o sucesso dos partidos anti-Europa não mostraram que a Europa cosmopolita está em declínio, derrotada pelos anti-europeus? O que aparece à primeira vista caso claro de falácia da perspectiva nacional. Ela deixa escapar a lógica da metamorfose realmente existente na União Europeia.”  ( pág. 202)

Os fundamentalistas islâmicos celebram a decapitação de seus reféns ocidentais em canais digitais. Assim como das guerras com perfil tic-toc onde detalhes sórdidos são divulgados livremente pelos canais digitais.

Resumindo, a resistência contra a cosmopolização é inútil. Não importa quais crenças pessoais estamos habitando no globo. Se quiser ter sucesso, é necessário frequentar espaços e ações cosmopolitizados.

Os riscos escapam das práticas institucionais convencionais e das políticas de regulação e controle. Nas sociedades de riscos, as ameaças surgem como efeitos colaterais não intencionais do progresso científico, tecnológico e econômico. A segunda modernidade tornou-se uma produtora de riscos e um problema em si mesma.

Quando analisada pelo autor, a sociedade contemporânea se apresenta, de certa forma, fora do controle das instituições sociais, na medida em que os aspectos considerados negativos, ou os “riscos” decorrentes do desenvolvimento, superam em muitos pontos positivos. Isso resulta em uma cultura de riscos.

A cultura de riscos envolve o acúmulo de riscos das mais diversas naturezas (ecológicos, financeiros, militares, terroristas, bioquímicos, internacionais etc.). Em suma, tudo que se apresenta como risco para uma sociedade neoliberal, independentemente de serem países ricos ou pobres, ocidentais ou orientais, na medida em que a sociedade de risco, efetivamente, é aquela caracterizada pela igualdade entre todos quanto aos riscos em potenciais.

O desastre de Chernobil foi um desses riscos inimagináveis que cresceu juntamente com a indústria, colocando a humanidade em perigo. Riscos modernos que são diferentes dos outros, que cresciam em paralelo com a indústria, colocando a humanidade em perigo. Beck enxerga um reino de sombras de riscos à espreita por trás do mundo visível do cotidiano. Não mais visíveis a olho nu, esses riscos exigem conhecimento científicos para serem compreendidos.

“Foi o “choque antropológico” decorrente da catástrofe de Chernobyl como um evento de mídia que tornou visível a invisibilidade da radiação. Com base na direção a partir da qual os ventos sopravam a ”nuvem de radiação” para o oeste, populações inteiras da Europa – além da classe nação -compreenderam que, nas questões existenciais de sua própria vida é da vida de seu filhos, elas dependiam totalmente de representações da mídia, de narrativas, especialistas e antiespecialistas em debate: dependiam também de equipamento tecnológico, mapas, boatos e teorias rivais que introduziam na vida cotidiana um vocabulário que não compreendiam. Nem todos os riscos – não os locais (como chaminés fumegantes) – são caracterizados por um estado de invisibilidade natural, mas aqueles globalmente produzidos distribuídos e definidos. Sem a informação pela mídia e outras instituições sociais, os cidadãos não estão sequer cientes do risco para sua vida e para a vida de filhos de seus vizinhos. Não há nenhum componente direto na nosso a experiência de risco global, nenhuma evidência sensorial e de senso comum simples. Riscos globais (como a radiação, mas também a mudança climática) não reconhecidos cientificamente não existem legal, média, tecnológica ou socialmente, e assim não são evitados, tratados ou compensados.” (pág. 132; pág133)

Os avanços tecnológicos, hoje desenvolvidos em laboratórios científicos, ocorrem sem supervisão adequada. Como resultado, a ciência deixa de assumir responsabilidade pelos riscos de aniquilação que ela mesma pode gerar — seja por meio de produtos químicos tóxicos, resíduos nucleares, mudanças climáticas, engenharia genética ou novas doenças. É devido ao risco contínuo de aniquilação que a sociedade de risco de Beck tem um componente catastrófico. Ulrich Beck vê o público em geral como a chave para uma modernidade reflexiva. É o público que pode liderar a crítica da ciência, é o público que pode promover uma modernidade que viva tanto no presente como no futuro, e é o público que pode fazê-lo sob uma reivindicação moral de racionalidade.

Um outro ponto abordado por Beck diz respeito à metamorfose digital que guarda diferenças com a revolução digital. Ulrich Beck descreve uma mudança social sobretudo tecnologicamente determinada, que capta o crescente grau de interconectividade e intercâmbio global. A noção de revolução sugere que a mudança é intencional, linear e progressiva. Como tal, ela se aproxima de uma ideologia segundo a qual o desenvolvimento significa ter uma conexão de internet.

“A metamorfose digital, ao contrário, tem a ver com os efeitos colaterais não intencionais, com frequência invisíveis, que criam sujeitos metamorfoseados – isto é, seres humanos digitais. Enquanto a revolução digital ainda implica a clara distinção entre on-line e off-line, a metamorfose digital tem a ver com o entrelaçamento essencial do on-line e do off-line. Ela tem a ver com seres humanos digitais, cuja existência metamorfoseada questiona as categorias tradicionais, como status, tradicionais, como status, identidade social, coletividade e individualização. O status de uma pessoa não é mais definido principalmente por sua posição na hierarquia das ocupações, mas por exemplo, pelo número de amigos do Facebook, no qual a própria categoria “amigo” foi metamorfoseada em algo que não tem necessariamente a ver com familiaridade. Como tal, a metamorfose digital ocorre não onde seria de esperar, mas nos lugares inesperados”. (pág. 190)

O conceito de metamorfose digital de Ulrich Beck está entrelaçado com a sua teoria mais ampla de “sociedade de risco” e da “metamorfose do mundo”, sugerindo que as tecnologias digitais alteram drasticamente as percepções de tempo e espaço, políticas, muitas vezes levando a novas formas de risco e individualização da responsabilidade. Isso significa que toda ação humana, toda a máquina produz dados.

“Há uma nova inteligência digital, uma nova classe digital transnacional, usando a cosmopolização digital como um recurso de energia para remodelar o mundo. Essas comunidades epistemológicas de especialistas desafiam tanto o Estado-nação quanto o cidadão. Por outro lado, os indivíduos são os produtores constantes dos oceanos de dados. A produção de dados acontece de maneira consciente e voluntária, como através de sites de mídia social, mas também de maneira inconsciente, rotineira e implícita, por meio do nosso cotidiano de aparelhos pessoais, como telefones celulares e sistemas de vigilância que estão incorporados aos ambientes contemporâneos, como cartões magnéticos, bilhetes de ônibus eletrônicos etc. “ (pág. 192; pag193)

A comunicação digital representa a produção e o consumo permanente de dados numa extensão que não é mais imaginável. O momento da metamorfose surge num mundo moldado pela lógica do “Big Data”.  

“As revelações de Snowden relativas à vigilância de massa exemplificam outra “catástrofe emancipatória”. Por um lado, elas estão provocando um choque antropológico ao revelar que, e como, as democracias estão passando a ser metamorfoseadas de maneira insidiosa e imperceptível em regimes totalitários. Esse processo de metamorfose da democracia pode produzir uma nova forma de controle totalitário por trás da fachada da democracia operante e do estado de direito. Por outro lado, esse choque, e as repercussões políticas muito substanciais ao longo de 2013 e até 2015, deram origem a uma catarse social, suscitando profundas questões normativas e legais. . Mais do que isso foi criado um horizonte normativo que contesta as práticas existentes de vigilância totalizante exercida por uma poderosa coalizão entre Estados e empresas. Isso acontece tendo ao fundo a perspectiva de que nas sociedades.” (pág. 191)

“...As práticas de vigilância em grande escala efetuadas por NSA, Google etc., devem, assim, ser compreendidas não como escândalo que logo passará, mas como efeito colateral do sucesso da criação de uma modernidade digital, que é inevitavelmente uma modernidade em que o setor privado, setor público e indivíduo estão estranhamente emaranhado – por isso metamorfoseados.

Há uma nova inteligentsia digital, uma nova classe digital como um recurso de energia para remodelar o mundo. Essas comunidades epistemológicas desafiam  tanto o Estado-nação quanto o cidadão.” (pág. 192)

Um outro ponto que Ulrich Beck aborda é a importância das cidades substituindo os Estados. As cidades, segundo Beck, estão surgindo como atores cosmopolitas. As influências do Estado-nação estão se erodindo. As cidades do mundo estão se tornando um espaço mais importante para a definição de decisões coletivamente vinculadas. Uma nova estrutura de poder está emergindo; ela é composta por profissionais em cidades globais – classes urbanas transnacionais com diferentes origens históricas. As cidades estão sendo legalmente redefinidas como atores transnacionais, vozes organizadas da política transnacional.

Uma nova estrutura de poder está emergindo; ela é composta por profissionais em cidades globais – classes urbanas transnacionais com diferentes origens históricas. As cidades estão sendo legalmente redefinidas como atores transnacionais, vozes organizadas da política transnacional.

A urbanização costumava ser definida em oposição à natureza. Hoje em dia, é o contrário: o “urbanismo verde” está em toda parte; a “sustentabilidade” tornou-se normalizada. Tudo agora gira em torno do “esverdeamento”. Mas esses tipos de desconstrução estão legitimando o novo horizonte normativo da expectativa cosmopolita. As cidades estão criando um novo mundo de inclusão onde o potencial para transformar a lei está crescendo. Tornar esse novo potencial visível é o objetivo da teoria da metamorfose de Ulrich Beck.

Beck adverte:

“Para realizar esse potencial e trabalhar em prol da visão das Cidades Unidas, no entanto, os atores políticos precisam abraçar todas as novas ambiguidades e os conflitos do enverdecimento urbano, em vez de se afastar deles assustados. Se não o fizerem, os críticos estarão certos ao nos advertir contra as tendências pós-políticas de “sustentabilidade”, pelas quais a iniciativas climáticas urbanas são reduzidas a formas tecnocráticas de intervenção infraestrutura, compatíveis com uma ênfase neoliberal na cidade empresarial como espaço para acúmulo de capital. Semelhante crítica, no entanto, não de maneira alguma uma conclusão inevitável. Ela é neutralizada, em termos de inteiramente práticos e empíricos, pela multidão d formas pelas quais as questões de participação pública, responsabilidade pelo carbono e justiça climática transnacional estão também inteiramente presentes no programa urbano-cosmopolita realpolitico.

O que precisamos mais que qualquer outra coisa, é de uma melhor compreensão de como orientar através das novas paisagens políticas e de como analisa-las. Esse é o aspecto mais importante da metamorfose, e inclui as próprias ciências sociais: precisamos de novas maneiras de ver o mundo, estar no mundo, de imaginar e fazer política. Nosso objetivo é que o que propomos aqui – em termos de comunidades de risco, realpolitik: urbano-cosmopolita e visão das Cidades Unidas – sejam degraus nessa direção, aumentando nossas capacidades de ver o mundo em mudança de forma diferente.” (pág. 233; pag234)

Na sociedade de risco mundial, as cidades globais podem retomar um papel central semelhante à posição que ocupavam no mundo pré-nacional. Afinal, foi na polis que a humanidade iniciou a sua aventura. A cidade foi a pioneira da democracia. Hoje, o Estado-nação não consegue lidar adequadamente com os riscos globais. As cidades podem se tornar a melhor esperança para a democracia.

O risco global não é catástrofe global. A antecipação da catástrofe implica que é chegada a hora de agirmos. As mudanças climáticas podem ser usadas como antídoto para a guerra. Segundo Beck, estamos passando por uma transição das ameaças que emanam da lógica da guerra para aquelas que surgem da lógica do risco global. No caso da guerra, encontramos rearmamento, resistência aos inimigos ou a sua subjugação; no caso do risco, vemos conflitos transfronteiriços, mas também cooperação transfronteiriças para evitar catástrofes – é isso que Beck chama de cosmopolização.

Beck nos convida a fazer um experimento mental:

“Meu contra-argumento recorre ao filósofo francês Blaise Pascal e sua “prova” pragmática de Deus. Pascal argumentava quer ou Deus existe ou não existe. Eu não sei. Mas tenho que escolher Deus porque, se Deus existir, eu ganho; se não existir não perco nada.

Vamos comparar a crença de Deus com a crença na mudança climática causada pelo homem. Como Pascal, não sabemos se a mudança climática é “real”. Apesar de evidências substanciais, uma incerteza básica permanece. Precisamos aceitar que é impossível saber se uma catástrofe natural é realmente consequência da mudança climática causada pelo homem. Essa incerteza gera um momento político crítico de decisão.” (pág. 67)

Beck nos convida a refletir alguns cenários. Um deles é a negação das mudanças climáticas, o que significaria que cada catástrofe destacaria a irresponsabilidade dos negacionistas. Uma outra hipótese é aceitar como reais as mudanças climáticas, assumirmos a responsabilidade e confrontarmos a escala avassaladora da mudança moral e política necessária.

“Vistas como um risco global para toda civilização, as mudanças climáticas podem ser transformadas em um antídoto para a guerra. Elas induzem a necessidade de superar o neoliberalismo, de perceber e praticar novas formas de responsabilidade transnacional; põe o problema da justiça cosmopolita na ordem do dia da política internacional; cria padrões de cooperações informais e formais entre países e governos que de outro modo se ignoram mutuamente ou mesmo se consideram inimigos. Ela torna atores público e econômicos responsáveis -0 mesmo aqueles que não querem ser responsáveis. Abre novos mercados mundiais, novos padrões de inovação, e a consequência é: os negacionistas são perdedores.

 A mudança climática muda estilos de vida e padrões de consumo; revela uma forte fonte de significados orientados para o futuro, na vida cotidiana e para legitimação da ação política (reformas ou mesmo revoluções). Por fim, produz novas formas de compreende a natureza e de zelar por ela. Tudo isso acontece sob a superfície do mantra de decepções e desilusões no circo itinerante de uma conferência climática após a outra.” (pág. 67 págs. 68)

A mudança climática é algo diferente. É uma reforma de modos de pensar, de estilos de vida e hábitos de consumo, da lei, da economia, da ciência, e da política. A mudança climática como uma transformação da autoridade humana sobre a nação; seja como uma questão de justiça climática; seja dizendo respeito aos direitos de futuras gerações ou às relações entre direitos morais e questões climáticas. A mudança climática tem efeitos colaterais emancipatórios não intencionais e percebidos do risco global que já alteraram nossa maneira de estar no mundo, ver o mundo e fazer política. Em outras palavras: “O risco climático global pode abrir caminho para o renascimento da modernidade”.

O livro “A Metamorfose do Mundo” oferece uma análise aprofundada e singular das experiências geradas pela vivência do risco, colocando a desigualdade como a questão chave para o futuro. Beck propõe as bases para a defesa de uma redistribuição dos males e da cooperação transnacional como caminhos para a salvação do nosso mundo.

“A Metamorfose do Mundo: novos conceitos para uma nova realidade” merece um lugar de HONRA na sua estante.


Data: 04 agosto 2025 (Atualizado: 04 de agosto de 2025) | Tags: Sociologia


< Histórias de um Professor Metido a Escritor
A Mudança do Mundo: novos conceitos para uma nova realidade
autor: Ulrich Beck
editora: Zahar
tradutor: Marias Luiza X. de A. Borges, Maria Claudia Coelho
gênero: Sociologia;

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