Vestido de Noiva
“Vestido de Noiva” é para mim uma das melhores peças de Nelson Rodrigues. É um mergulho na mente humana, desafiando as convenções teatrais tradicionais. A trama gira em torno de uma família carioca de classe média, que serve como pano de fundo para o desenrolar de conflitos emocionais intensos, marcado por reviravoltas e revelações que desafiam a normalidade familiar. A peça aborda temas familiares, segredos e moralidade, que acabaram virando características típicas das obras de Nelson Rodrigues. Fico imaginando como deve ter sido a primeira apresentação dessa peça para o público da época. Deve ter sido um choque.
“Vestido de Noiva” foi a segunda peça escrita por Nelson. Seu primeiro trabalho foi “A Mulher sem Pecado”, em 1942. A pretensão inicial dessa peça era conseguir uma forma de sustento, já que o jornalismo não conseguia cobrir as despesas pessoais de Nelson Rodrigues na época. Mas, para isso, teve que disputar público com “A Família Lero-Lero”, comédia de Raymundo Magalhães, que batia recordes de público e bilheteria. A peça “A mulher sem Pecado” não obteve o sucesso nem obteve a simpatia do público, e o resultado não poderia ser outro, um verdadeiro fracasso de bilheteria e de público.
Mas foi em 1941 que Nelson Rodrigues escreveu “Vestido de Noiva”. Foi escrita em uma semana e encenada dois anos depois. A direção coube a Zbigniew Marian Ziembinski, que tinha acabado de chegar ao Brasil, vindo da Polônia, refugiado.
Ziembinski deu forma ao texto e com muito trabalho revolucionou todas as concepções de teatro brasileiro. Sem dúvida alguma, Nelson Rodrigues tem muito que dividir esse sucesso com o mestre Zimba, como ele era chamado. Como um pintor de cena, aquele que cria uma encenação deu à peça uma nova cor. Sob sua direção, ele soube equacionar os vários planos propostos por Nelson Rodrigues. O plano da memória e o plano da alucinação, o plano da realidade de forma brilhante, segundo os críticos da época.
Em “Vestido de Noiva”, Nelson Rodrigues propõe três planos. O primeiro plano é o plano da alucinação, apresenta as fantasias de Alaíde, seus desejos mais profundos e seus medos. Nesse plano, a realidade e o imaginário se dissolvem completamente. Desejos reprimidos, os medos e as inseguranças de Alaíde. Esse plano ilustra a fragilidade da mente humana e como os personagens são perturbados pelas próprias histórias que criam para si. A alucinação aqui é a janela do inconsciente.
O segundo plano é o da memória, onde Alaíde revela suas lembranças de seu relacionamento com Pedro. Esse plano traz ao palco os flashbacks, as reminiscências. O público entende os sons, a música que se ouve, os segredos do passado e traumas que impactam as relações atuais, oferecendo uma compreensão mais profunda das motivações em jogo.
O terceiro plano é o plano da realidade. Mostra Alaíde no hospital, após o acidente. Esse espaço é onde os personagens interagem no presente, lidando com situações imediatas concretas. É o ponto de referência para os acontecimentos mais subjetivos que se desenrolam em outros planos.
“Vestido de Noiva” foi a primeira peça que arrancou o véu onde se escondem os desejos e taras mais profundas, as zonas do mistério que habita todos os seres humanos.
Alaíde é a personagem central da trama. E é aí que existe uma divisão do plano do espaço-temporal sem precisar contar uma história de uma forma cronológica. Nelson privilegia a realidade psíquica e seu caráter fundamental da fantasia, pois são os elementos fundamentais do plano da alucinação, que revela os desejos de Alaíde. E aqui vemos o presente o passado e o futuro entrelaçados pelo fio do desejo que os une.
A primeira cena do primeiro ato mostra Alaíde sendo atropelada. Passa o tempo na mesa de cirurgia. Ela precisa se recordar do passado para entender o seu presente. Ela está em busca de Madame Clessi, uma prostituta de luxo que fora assassinada no início do século, para recordar-se de como ela chegou a essa situação. Ela se apresenta como um fantasma. Alaíde encontra-se cansada da vida matrimonial e anseia por aventuras. Seu bom marido, Pedro, é visto por ela como uma monotonia. A monotonia do casamento. Em sua conversa com Clessi, ela diz:
“Alaíde (excitada): Ele era bom, muito bom. Bom a toda hora e em toda parte. Eu tinha nojo de sua bondade. (pensa e confirma) Não sei, tinha nojo . Estou me lembrando de tudo direitinho, como foi. Naquele dia eu disse: “ Eu queria ser madame Clessi, Pedro. Que tal? (pág. 30)
Assim, Alaíde libera os seus fantasmas, o fantasma que habitou as páginas de um diário lido por ela na adolescência e que foi um estimulo para as suas fantasias. Nesse interim, ela tenta decifrar sua relação enigmática com uma “Mulher de Véu”, onde se esconde um estado emocional psíquico.
Vamos à história?
A peça se divide em três atos. No primeiro ato, os sons da cidade grande, buzinas de carros e som de uma freada, som de vidraças partidas com vídeos estilhaçados. Silêncio. A partir daí, a peça começa e ouvimos por meio de efeitos sonoros o atropelamento de Alaíde.
Alaíde aparece intacta chamando por Madame Clessi. Ela vê três mulheres.
“Voz de Alaíde (microfone) – Clessi…Clessi…
(Luz em resistência no plano da alucinação, três mesas, três mulheres escandalosamente pintadas, com vestidos berrantes e compridos. Decotes. Duas delas dançam ao som de uma vitrola invisível, dando uma vaga sugestão lésbica. Alaíde, uma jovem senhora, vestida com sobriedade e bom gosto, aparece no centro da cena. Vestido cinzento e uma bolsa vermelha.)
Alaíde (nervosa) – Quero falar com madame Clessi! Ela está?
(Fala à primeira mulher que, uma das três mesas, faz “paciência”. A mulher não responde.)
Alaíde (com angústia) – Madame Clessi está – pode-me dizer?
Alaíde (com ar ingênuo) – Não responde! (com doçura) Não quer responder?
(silêncio da outra.)
Alaíde (hesitante) – Então perguntarei (pausa) àquela ali.
(corre para as mulheres que dançam.)
Alaíde – DESCULPE. Madame Clessi. Ela está?
(segunda mulher também não responde.)
Alaíde (sempre doce) – Ah! Também não responde?
(Hesita. Olha para cada das mulheres. Passa um homem, empregado da casa, camisa de malandro. Carrega uma vassoura de borracha e um pano de chão. O mesmo cavalheiro aparece em toda a peça com roupas e personalidades diferentes. Alaíde corre para ele.)
Alaíde (amável) – Podia-me dizer se madame…
(O homem apressa e desaparece.)
Alaíde (num desapontamento infantil) – Fugiu de mim! (no meio da cena, dirigindo-se a todas, meio agressiva) Eu não quero nada demais. Só saber se madame Clessi está!
(A terceira mulher deixa de dançar e vai mudar o disco da vitrola. Faz toda a mímica de quem escolhe um disco, que ninguém vê, coloca-o na vitrola também invisível. Um samba coincidindo com este último movimento. A segunda mulher aproxima-se, lenta, de Alaíde.)
Primeira Mulher (misteriosa) – Madame Clessi?
Alaíde (numa alegria evidente) – Oh! Graças a Deus! Madame Clessi, sim.
Segunda Mulher (voz máscula) – Uma que morreu?
Alaíde (espantada olhando para todas) – Morreu?
Segunda Mulher (para as outras) – Não morreu?
Primeira Mulher (a que joga “paciência”) – Morreu. Assassinada.
Terceira Mulher (com voz e velada) – Madame Clessi morreu! (brusca e violenta) Agora, saia!
Alaíde (recuando) – É mentira. Madame Clessi não morreu. (olhando para as mulheres) Que é que estão me olhando? (noutro tom) Não adianta, porque eu não acredito!…
Segunda Mulher – Morreu, sim. Foi enterrada de branco. Eu vi.
Alaíde – Mas ela não podia ser enterrada de branco! Não pode ser.
Primeira mulher – Estava bonita. Parecia uma noiva.
Alaíde (excitada) – Noiva? (com exaltação) Noiva – ela? (tem um riso entrecortado, histérico) Madane Clessi, noiva! (o riso, em crescendo, transforma-se em soluço) Porém com essa música! Que coisa! “ (pág. 9; pág. 10; pág. 11; pág. 12)
A iluminação se apaga e muda-se para outra cena da peça. Vemos agora um outro plano. O plano da realidade. Um ambiente de jornal, telefones tocando, todos falando ao mesmo tempo. Notícias, reportagens sobre os acontecimentos, até que chega a notícia. Um atropelamento aconteceu na Glória, e o chofer fugiu:
“Pimenta: Bonita, bem vestida
Redator D’Anoite: Morreu
Carioca repórter: Ainda não, mas vai.” (pág. 14)
Volta-se ao plano da alucinação. e então, encontramos Alaíde em um bordel, ela espera por um homem. Quando esse homem se aproxima, Alaíde percebe que o homem em questão é o seu marido. Primeiramente, ela o acaricia e depois o esbofeteia por ele estar em um bordel. Ela percebe que todos ali têm a cara de seu marido, Pedro.
Abre-se o plano da memória. Depois do susto, ela sai dali, e encontramos Alaíde em uma conversa com seus pais a respeito da própria madame Clessi, que era moradora da residência. Dizem que ela morreu assassinada. Muda-se para o plano da alucinação, e ela se encontra com Madame Clessi.
“Alaíde (com volubilidade) – Aconteceu uma coisa, na minha vida, que me fez vir aqui. Quando foi que ouvi seu nome pela primeira vez? (pausa) Estou-me lembrando!
(Entra o cliente anterior com guarda-chuva, chapéu e capa. Parece boiar.)
Alaíde : Aquele homem! Tem a mesma cara do meu noivo!
Madame Clessi: Deixa o homem! Como foi que você soube do meu nome?
Alaide: Me lembrei agora! (noutro tom) Ele está me olhando. (noutro tom ainda) Foi uma conversa que eu ouvi quando a gente mudou. No dia mesmo, entre papai e mamãe. Deixe eu me recordar como foi...Já sei! Papai estava dizendo: “O negócio acabava...”
(Escurece o plano da alucinação. Luz no plano da memória. Aparecem pai e mãe de Alaíde)
Pai (continuando a frase) ...” numa orgia louca”
Mãe – E tudo isso aqui?
Pai – Aqui estão?!
Mãe – Alaíde e Lúcia morando em casa de Madame Clessi. Com certeza, é no quarto de Alaíde que ela dormia. O melhor da casa!
Pai – Deixa a mulher! Já morreu!
Mãe – Assassinada. O jornal não deu?
Pai- Deu. Eu ainda não sonhava conhecer você. Foi um crime muito falado. Saiu fotografia.
Mãe – No sótão tem retratos dela, uma mala cheia de roupas. Vou mandar botar fogo em tudo.
Pai – Manda.
(Apaga-se o plano da memória. Luz no plano da alucinação.)(pág. 22; pág. 23)
(Apaga-se o plano da memória. Luz no plano da alucinação.)
Mesa de cirurgia. Alaíde está sendo operada pelos médicos, que são absolutamente protocolares, sem nenhuma empatia com a paciente; pelo contrário, são indiferentes.
“PRIMEIRO MÉDICO : Pulso?
SEGUNDO MÉDICO : 160. [...]
PRIMEIRO MÉDICO: Rugina
SEGUNDO MÉDICO: Como está isso!
PRIMEIRO MÉDICO: Tenta-se osteossíntese
TERCEIRO MÉDICO: Olhe aqui
PRIMEIRO MÉDICO: Fios de bronze
PRIMEIRO MÉDICO: o OSSO!
TERCEIRO MÉDICO: Agora é ir até o fim.
PRIMEIRO MÉDICO: Se não der certo , faz-se amputação
PRIMEIRO MÉDICO: Depressa!”
(apaga-se a sala de operação. Luz plano da alucinação) (pág. 26;pag27)
No plano da realidade, o diálogo frio entre os médicos revela que Alaíde está sobre uma mesa de operação. Alternam-se os diálogos entre Alaíde e Clessi no plano da alucinação e cenas do passado. Lembra-se de uma mulher com véu.
“Alaíde: Interessante. Estou me lembrando de uma mulher, mas não consigo ver o rosto. Tem um véu. Se eu reconhecesse!...” (pág. 32)
Madame Clessi pede a Alaíde que recorde o dia em que se casou. Alaíde lembra-se de que sua futura sogra elogiou o vestido de noiva pouco antes de ela entrar na igreja.
Dona Laura parece ter notado a presença de uma pessoa que até então não vira. Dirige-se a essa pessoa invisível, beijando-a presumivelmente na testa. Ela conversa com essa pessoa invisível e vai para junto de Alaíde.
“Dona Laura: Cuidado com a cauda!” (pág. 48)
No segundo ato, vemos o diálogo entre Alaíde e Clessi ao microfone. As duas discutem de uma forma áspera. Clessi está disposta a estragar o casamento de Alaíde. E nesse diálogo vamos descobrindo o motivo. E qual é o motivo?
“Clessi: É impossível que não tenha havido mais coisas.
Alaíde: (impaciente com a própria memória) Mas não me lembro Clessi. Estou com memória tão ruim!
Clessi: Olha, Alaíde. Antes de sua mãe entrar, quando você pediu o buquê, tinha alguém lá? Sem ser Pedro?
Alaíde (desorientada): Antes da mamãe entrar?
Clessi: Sim. Tinha que ter mais alguém. Já disse – uma noiva nunca fica tão abandonada na hora de vestir!
Alaíde (como que fazendo um esforço de memória): antes de mamãe entrar... Só pensando. Deixa eu ver...
(luz no plano da memória, Alaíde, vestida realmente de noiva está tentando uma banqueta. Agora o espelho imaginário se transformou num espelho, verdadeiro, quase do tamanho de uma pessoa. A grinalda está posta ainda. Alaíde sozinha)
Clessi (microfone) Ah! Quer ver uma coisa? Quem foi que dona Laura beijou na testa, depois que falou com você!
(diante do espelho , Alaíde está retocando a toalete , ajeitando os cabelos, recuando e aproximando o rosto do espelho etc.)
Clessi: Ah! Outra coisa! Quem foi que vestiu você? Foi sua mãe? Não ? Pois é, Alaíde! (luz amortecida em penumbra. Entra uma mulher, quase que magicamente. Um véu tapa-lhe o rosto. Luz normal)
Clessi (microfone): Não disse que tinha que ter mais gente? Olha aí! (noutro zoom) A mulher de véu”! (pág. 51; pág. 52)
Resta agora a pergunta: quem será a mulher de véu?
“ (Acende-se a luz. Só Alaíde e a Mulher de Véu)
Clessi(microfone continuando) ...que esse casamento se realize!”
Alaíde: Mas o que que eu fiz – diga? Para você estar assim?
Mulher de Véu (exaltada): O que foi? Sua hipócrita!
Alaíde : Diga então o que foi!
Mulher de Véu: Quer dizer que você não sabia que eu estava namorando o Pedro?
Alaíde (indignada): Aquilo, “namoro”? Um flerte a toa!
Mulher de Véu (mais indignada): Você quer dizer a mim que foi flerte. Quer me convencer?
Alaíde(teimosa): Foi
Mulher de Véu (violenta): E aquele beijo que ele deu no jardim também foi flerte?
Alaíde: Sei lá de beijo! Que beijo?
Mulher de Véu: está vendo como você é? Viu tudo! Você apareceu no terraço e entrou logo. Mas viu!
Alaíde (desesperada): eu não admito que você venha recordar essas coisas! Ele é meu noivo!
Mulher de Véu: (perversa) Viu ou não viu?
Alaíde: Não!
Mulher de Véu: Viu sim!
Alaíde: Por que é que você não protestou antes? Por que você não falou na hora?
Mulher de Véu: Por que não quis. Quis ver até onde você chegava(noutro tom) esperei por esse momento. (pág. 56; pág. 57; pág. 58)
Aos poucos, descobre-se o motivo: o noivo fora namorado da Mulher de Véu, e Alaíde roubara-o dela. Clessi interroga Alaíde sobre a identidade da Mulher de Véu.
“Clessi (microfone)Então você tirou os namorados da Mulher de Véu?
(pausa para uma réplica de Alaíde que ninguém ouve)
Clessi: Também você não se lembra de nada! Procure vê-la sem véu. Ela não pode ser uma mulher sem rosto. Tem que haver um rosto debaixo desse véu, Alaíde.” ( pág. 61)
Plano da realidade: os médicos tentam os últimos recursos para salvar a vida de Alaíde. Sua memória está em franca desagregação. Imagens do passado e do presente se confundem e se sobrepõem. As recordações deixam de ter ordem cronológica. Apaga-se o plano da memória. As luzes laterais são acendidas. Dois homens descem lentamente. Um deles é gordo de barba negra, e empunha um círio. Eles descem lentamente. As luzes acendem , se cumprimentam e vão se ajoelhar diante de um cadáver invisível. Ambos estão no plano da alucinação.
Duas cenas nos são apresentadas de maneira descontinuada. A primeira, a Mulher de Véu revela seu desejo de vingança.
“Mulher de Véu: Você pode morrer minha filha. Todo mundo não morre?
Alaíde: Você quer dizer talvez me mata?
Mulher de Véu( mais séria) quem sabe ( noutro tom – Baixo) você acha que eu não posso matar você?
Você não teria coragem. Duvido!
Mulher de Véu: Talvez eu não tenha coragem para matar. Mas para isso eu tenho! ( pág. 64)
Na segunda cena, Clessi conversa com um jovem adolescente namorado, e este sugere que os dois se matem de amor.
“Fulano: Quer morrer comigo? Fazer um pacto como aqueles dois namorados da Tijuca?
Clessi ( sempre terna) Lindo tem os cabelos tão finos!( pág. 66)
Clessi não parece levar a sério a conversa do garoto. No plano da alucinação, uma mulher se senta junto a dois homens. Um homem de barba e um rapaz romântico dialogam com uma personagem, a mulher inatural. Enquanto isso, a conversa entre Alaíde e a Mulher de Véu fica cada vez mais violenta.
“Mulher de Véu (exasperada): Oh meu deus, será possível?
Alaíde (sombria): Então você deseja a minha morte!” ( pág. 70)
No plano da memória Pedro, encontra-se com a noivo, Alaíde antes da cerimônia o que significa um mau presságio.
Alaíde: Me esqueci que faz mal o noivo ver a noiva antes. Não é bom. (pág. 73)
Pedro encontra-se com a mulher de véu no quarto da noiva:
“Pedro (perverso, para a mulher de véu): Você tem namorado?
Mulher de Véu (fria): Por quê?
Pedro (cínico): Por nada. Seu gênio é tão esquisito!
Mulher de Véu (com perversidade). Tive ele vai se casar com outra.
Pedro: Então o homem é um vilão autêntico!
Mulher de Véu: É.
Alaíide (sardônica): Não faz mal ela gosta dele assim mesmo. (pág. 72; pág. 73)
Clessi e Alaíde aparecem no alto de uma escada lateral, sentadas num degrau, em um velório.
“Clessi: Você parece maluca!
Alaíde (ao lado de Clessi) Eu?
Clessi: Você está fazendo confusão! Casamento com enterro!...Moda antiga com moda moderna! Ninguém usa mais aquele chapéu de plumas, nem aquele colarinho!
Alaíde: Tudo está tão embaralhado na minha memória! Misturo coisa que aconteceu e coisa que não aconteceu. Passado com presente! ( num lamento) É uma misturada!” (pág. 80)
A mulher de véu vai se revelando aos poucos. É Lúcia, sua irmã.
“Pedro (cínico): Se você chegasse um pouquinho mais tarde, o casamento teria se realizado!
Lúcia se desprendendo-se de Pedro, gritando, com o punho erguido, como uma saudação comunista): Eu é que devia ser a noiva!...
Alaíde (excitadíssima, também com o punho erguido) : Mentirosa! Sua mentirosa! Roubei seu namorado e agora ele é meu! Só meu!
Lúcia (com o punho erguido): Confessou. Até que enfim! Pelo menos diga, berre: “roubei o namorado de Lúcia!!!...” (pág. 89)
No plano da realidade: Pedro pergunta aos médicos sobre a condição de sua esposa. Os médicos informam que o estado da paciente é grave, mas o médico não demonstra nenhum abalo emocional.
“Pedro: E ela sofreu muito, doutor?
Médico: Não nada. Chegou em estado de choque. Nem vai sofrer nada.
Pedro( chocado) Estado de choque?
Foi. E isso para um acidentado é uma felicidade. Uma grande coisa. A pessoa não sente nada – nada (pág. 90 ; pág. 91)
Alaíde tomou o namorado da irmã. Depois de uma violenta discussão com a irmã e troca de acusações, Alaíde sofre o acidente.
No terceiro ato, no plano da memória, vemos uma discussão entre Pedro e Dona Ligia, Clessi e o namorado . A mãe do namorado de Clessi aparece e pede que ela deixe de ver seu filho:
“Mãe (num largo gesto, visivelmente caricatural, trêmulo na voz): A senhora é a madame Clessi?
Clessi (humilde): Sou a senhora não quer sentar-se?
Mãe (em tom de dramalhão): Não estou bem assim. ( exageradíssima) Sou a mãe de Alfredo Germont
Clessi (humilde) Eu sei.
Mãe (com ternura na voz): então a senhora não tem consciência?
Clessi (chocada, mas doce): Eu?
Mãe (cada vez mais patética): A senhora, sim. Então isso se faz? Com a criança?
Clessi ( suave e dolorosa): Mas que culpa tenho eu?
Mãe: Que culpa! (Noutro tom) Um menino, uma verdadeira criança, chegando em casa às duas, três, quatro horas da manhã! A senhora não vê?” ( pág. 105; pag106)
Alaíde lamenta-se por confundir essas pessoas com personagens de La Traviata e do filme E o Vento Levou.
“Alaíde: (microfone): Você está vendo, Clessi? Outra vez. Penso que estou contando o seu caso, contando o que li nos jornais daquele tempo sobre o crime, e quando acabo, misturo tudo! Misturo “Traviata”, e o vento levou...”, com o seu assassino! Incrível. (pausa) Não é?” (pág. 107)
Em seguida, vemos o plano da realidade. Repórteres noticiam o acidente de Alaíde e descobrem se tratar de alguém importante:
“Primeiro fulano (berrando): Diário!
Segundo fulano (berrando): Me chama o Oswaldo?
Primeiro Fulano: Sou eu
Segundo Fulano: É o Pimenta. Toma nota.
Primeiro fulano: Manda
Segundo Fulano: Alaíde Moreira, branca casada, vinte e cinco anos. Residência , Rua Copacabana. Olha!
Primeiro fulano: Que é?
Segundo fulano: Essa zinha é importante. Gente rica. Mulher daquele camarada, um que é industrial, Pedro Moreira
Primeiro fulano: Se me lembro. Continua.
Segundo fulano: Afundamento dos ossos da face. Fratura exposta do braço direito. Escoriações generalizadas. Estado gravíssimo.” (pág. 109; pág. 110)
No plano da alucinação, Alaíde conta a Clessi suas recordações sobre a morte da mulher. Pedro chega e Clessi sai de cena.
“Pedro: Que negócio é esse de você andar falando com madame Clessi?
Alaíde ( o que é que tem demais meu filho?
Pedro ( com veemência)Ela não é direita! Não quero relações