Livros > Resenhas

Tirza

“Tirza” é um romance arrebatador. Arnon Grunenberg domina o seu ofício de escritor, sabe contar uma história.

 

O livro pega em pontos sensíveis. E não deixa por menos. Segue uma trajetória de tirar o fôlego. Não conhecia o escritor. Até aí nenhuma novidade. Não conheço outros tantos.

 

Arnon Grunberg nasceu em 1971 em Amsterdã, Holanda. É considerado um dos escritores mais importantes da Holanda na atualidade.

 

Em 2004, mudou-se para Nova York, onde fixou residência. Sobre Arnon Grunberg sabemos que é de família de imigrantes judeus alemães. Sua mãe foi uma sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz. Sua vida escolar não foi um primor. Aos 17 anos foi expulso da escola e resolveu abrir uma editora chamada Kasimir aos 19 anos de idade, especializada em literatura alemã não ariana.

 

Teve trabalhos no teatro, mas sua estreia como romancista aconteceu aos 23 anos com o romance “Azul Segundas-Feiras”, publicado em 1994, que se tornou um best-seller na Europa e abocanhou alguns prêmios, além de ter sido traduzido para 13 idiomas. Confesso que é o primeiro livro que leio do autor. Desconheço se existem traduções em português de seus outros livros. Mas caso existam, vou virar freguês. O cara arrasa. Vamos ao livro?

 

O personagem principal, Jorgen Hofmeester, é um desses homens que teve tudo na vida. Uma bela esposa, uma bela casa com jardim em um bairro de classe média em Amsterdã, um trabalho respeitado como editor, duas filhas encantadoras, chamadas Ibi e Tirza, e um dinheirinho suado guardado na Suíça pelo aluguel da parte de cima de sua casa, o sotão. Sua ideia era fazer um pé de meia para sua velhice e para ajudar suas filhas.

 

"O amor dos pais é o sacrifício feito em silêncio." Tudo parece previsível. Tudo precisa de controle. Mas a vida, como sabemos, ignora planos, ela segue o seu próprio ritmo. E nem sempre aquilo que planejamos com tanto pragmatismo acontece. Mas será por causa desse aluguel, que sempre era cobrado pela filha Ibi, que Jörgen assiste a uma cena devastadora.

 

Sua filha estava se relacionando sexualmente com o inquilino, um arquiteto. Isso provoca o primeiro rompimento familiar e a consequência disso é que mais tarde sua filha resolve sair de casa. Vai morar na França com o namorado e abrir um hostel. Jörgen trabalhou como editor, mas nunca encontrou um autor significativo em sua carreira. Um mês antes da formatura de sua filha é demitido do trabalho, mas com direito a uma aposentadoria. Em vez de ir ao trabalho, com vergonha de sua demissão, ele passa seu tempo no aeroporto de Schiphol simulando encontros fictícios. E para piorar as coisas, alguns anos antes todas as suas economias viraram pó, depois que os fundos hedges desmoronaram após os ataques de 11 de setembro de 2001.

 

Sua mulher o deixou suas filhas e seu marido para realizar seu projeto de vida: viver com um namorado de infância em uma casa flutuante. Jörgen Hoffmeester, desde que sua mulher desapareceu, tentou ser um pai perfeito. Ele define a paternidade como um dever, um propósito.

 

De sua filha mais velha, Ibi, ele esperava muito, mas de Tirza ele esperava tudo. Ela é tudo para ele. Ela é a rainha, o sol, a glória máxima que um pai pode depositar em uma filha. Muita energia é deslocada para que ela vença uma doença grave (anorexia nervosa) e uma mãe ausente (e a natureza exata desse amor por Tirza é uma das questões centrais do romance). Aos dezoito anos, ela conseguiu seu diploma do ensino médio. Tempo de Festa! Mas ao longo dessa festa o autor recorre a flashbacks e tudo nessa família ganha contornos dramáticos. Jörgen prepara uma festa onde o sushi preparado por ele é perfeito. Seus papéis invisíveis de bom garçom e excelente anfitrião estão todos devidamente planejados. Ninguém ficará insatisfeito essa noite. Alguns dias que antecederam a festa, uma visita inesperada bate à sua porta. Sua esposa, que o havia deixado por um amor de infância, aparece em sua porta. Não por causa de um amor súbito, mas porque ninguém a quer e ela sabe que ele não vai mandá-la embora. O tempo, em um primeiro momento, parece obedecer a uma cronologia, mas são nos flashbacks que começamos a entender o universo de Jörgen Hoffmeester. Para que isso aconteça, é necessário deixar a história agir em você, querido leitor; só aí você entenderá o pântano em que você está pisando.

 

Os capítulos começam no presente; em seguida, o passado é mostrado para entendermos as emoções e sentimentos dessa família em momentos determinados. Aqui um trecho para que você entenda um pouco da personalidade de Jörgen:

 

“Gosta de colocar as pessoas contra a parede. Porque tem medo delas. Porque não sabe lidar com elas. Em outros tempos, também pôs suas filhas contra a parede. Verbalmente apenas verbalmente, para torná-las mais fortes. Para expandir o vocabulário delas, para ensiná-las a arte da argumentação. Para ele a língua é acima de tudo um meio de cercar as pessoas, de colocá-las contra a parede, de lhes tirar o último recurso. A língua. Um grande experimento de humilhação. Talvez por isso se tenha tornado silencioso. Por respeito. Como forma de rendição. O silencio é a sua bandeira branca. “Então você acha que eu idealizei a vida de minha filha? Hofmeester dá um risinho fingido.” Que sei o que se deve fazer para ser uma boa pessoa?” “Quero dizer... o que eu queria dizer é que todos os pais têm expectativas. Às vezes um pouco demais. Às vezes expectativas equivocadas.” (pg 313)

 

Na sua festa de formatura, Tirza apresenta à família Choukri, seu namorado marroquino, com quem planeja ir para Namíbia. Choukri recebe o ódio como cartão de visitas do pai, que o associa a Mohammed Atta, o piloto suicida que jogou o avião contra as torres gêmeas. O mesmo atentado que fez com que seu rico dinheirinho aplicado em fundos hedges desaparecesse. Aos poucos a realidade e a fantasia se tocam. Quando sua filha e seu namorado viajam para Namíbia e não mandam sinal e muito menos notícias, começamos a duvidar da sanidade mental de Jörgen. A sensação é que perdemos a confiança nele como narrador. Muitas situações ocorrem. Por falta de notícias dos dois, Jörgen acaba no deserto da Namíbia, queria a morte, sua vida perdera o sentido, mas é impedido por uma menina que ele conhece chamada Kaisa, que o acompanha em sua viagem a esse lugar. Sua vida vai se tornando uma grande desilusão.

 

Nesta última parte do livro, nos sentimos mais alienados do protagonista. Mas fico por aqui. E que cada um de vocês tire suas conclusões.

 

Adoraria ler os comentários desse livro aqui no blog.

 

A única certeza que tenho sobre esse livro é que se trata de um grande livro e que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 08 agosto 2016 (Atualizado: 08 de agosto de 2016) | Tags: Romance


< "Stoner" Vídeo-livro Monet >
Tirza
autor: Arnon Grunenberg
gênero: Romance;

compartilhe

     

você também pode gostar

Resenhas

Tônio Kroeger

Resenhas

Inverno do Mundo

Resenhas

Hotel Savoy