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Meu nome é Ébano. A vida e obra de Luiz Melodia

Eu confesso que conheci Luiz Melodia quando ele morava no Jardim Botânico atrás da Globo. Um papo muito breve, jamais poderia dizer que conversamos, algo muito trivial. Confesso que tenho problemas de inibição com aqueles que eu admiro. Como, por exemplo, encher o saco. O artista, como qualquer ser humano, às vezes não tem vontade de conversar, e eu tenho muitas cerimônias e não prossegui.

Tivemos um amigo em comum, Perinho Santana, um grande parceiro musical, além de amigo de papo e de música. E uma coisa que Perinho sempre exibia era um sorriso largo no rosto quando ele falava de dois amigos: de Tim Maia e de Luiz Melodia. Eram camaradas mesmo!

Mas tudo bem! Se eu não tive o prazer de conhecer Luiz Melodia pessoalmente e papear com ele, Toninho Vaz me deu essa chance de conhecê-lo. Quando comecei a ler o livro, era como se Luiz Melodia estivesse contando a sua história para mim. Toninho Vaz me convidou a conhecer essa história eu aceitei. E com o advento da pandemia, em que o isolamento social é a regra, comprei o livro já autografado.

Desde a primeira página até a última, a sensação era como se eu estivesse ouvindo Melodia falar sobre sua vida, Toninho Vaz, como um grande biógrafo que é, me apresentou a ele, de uma maneira fina, esse é o conceito. Melodia teve uma vida cheia de voltas e reviravoltas, do início de sua carreira até a imortalidade. Quem sabe, essa biografia já seja o argumento para se fazer um filme sobre Ébano (Luiz Melodia). Sim, Melodia está na galeria entre os grandes compositores da música popular brasileira. E merece um filme. E seu lugar estará sempre marcado no Pantheon entre os gigantes da MPB.

Formado em uma das maiores Universidades do mundo, que é a Universidade do Morro de São Carlos. Moradores ilustres se formaram por essa universidade, como Gonzaguinha, Madame Satã, Grande Otelo, Aldir Blanc, Herivelton Martins e, pasmem: o empresário Roberto Marinho, que nasceu na parte baixa do Morro de São Carlos. Ismael Silva, Heitor dos Prazeres, Bide, Marçal fundaram a Escola de Samba Unidos de São Carlos.

A infância e adolescência de Luiz Melodia deram um direcionamento à sua vida. Seu pai, Oswaldo Melodia, também tocava violão, e sua mãe, Eurídice, era uma exímia costureira. Seu pai não queria que ele fosse músico, queria que ele fosse doutor. Bem, por aí começamos a ver e a entender a personalidade de Luiz Melodia. Era uma personalidade que queria buscar os seus próprios caminhos. E esse caminho era a música, é o caminho de todo grande artista.

Em 1964, formou o conjunto musical “Os Instantâneos” com os amigos Manoel, Nazareno e Mizinho. compondo e tocando sucessos da jovem guarda e bossa nova. Foi um período importante na sua vida, pois as versões que ele fazia da jovem guarda tinham um ineditismo, de misturas e ritmos.

Antes disso, tinha que trabalhar para ajudar nas despesas da casa, trabalhou como tipógrafo em uma gráfica no Estácio. Trabalhou como atendente no bar de uma academia de halterofilismo. E, claro, tocava violão nas madrugadas. Foi em 1969 que acabou servindo o exército. Foi um período importante, pois aprendeu a dirigir. Não teve nenhuma má recordação do período em que passou no exército.

Rosimeri, Rose, ou melhor, baby Rose ou Rose do Estácio, uma morena de tirar o fôlego, amiga de Hélio Oiticica, andava pela Zona Sul e era muito bem enturmada. Foi ela quem apresentou Luiz Melodia a ninguém menos que Waly Salomão, Jorge Salomão. E mais tarde Melodia diria:

 “Tive a felicidade de estar na hora e no local certos quando uma mulher que virou minha amiga, a Rose, foi me procurar no morro. Ela conhecia muitos baianos, Caetano, Waly Salomão, Gal, todos eles” (pg 40)

Uma galera da pesada foi ao Morro de São Carlos, que Waly Salomão chamava de “O Quilombo de São Carlos”. Rose apresentou todos a Luiz Melodia, e eles logo perceberam um compositor diferente, principalmente quando todos ouviram “My black”, que Waly propôs chamar de “Pérola Negra”, o que foi aceito. Em síntese, essa música foi imortalizada pela voz de Gal Costa no final de 1971, Gal começou os ensaios para um show que se tornaria um dos mais marcantes de sua carreira. Fa-Tal (Gal a todo vapor).

Mas os baianos conseguem ver longe. Em 1972, Maria Bethania lançava o álbum Drama, produzido por Caetano Veloso. Entre as faixas, estava Estácio Holly Estácio:

 

Se alguém quer matar-me de amor
Que me mate no Estácio
Bem no compasso, bem junto ao passo
Do passista da escola de samba
Do Largo do Estácio

O Estácio acalma o sentido dos erros que faço
Trago, não traço, faço, não caço
O amor da morena maldita domingo no espaço

Fico manso, amanso a dor
Holiday é um dia de paz
Solto o ódio, mato o amor
Holiday eu já não penso mais

Começou a carreira de compositor de Luiz Melodia. E, em 1972, Luiz Melodia entra no estúdio da Polygram, em Botafogo, para a gravação de seu disco de estreia, que haveria de se chamar de “Pérola Negra”. Foi um artista censurado na época da ditadura sob o governo Médice. Músicas como “Feras que virão” e “Feto poeta do Morro” não passaram pela censura.

Tá tudo solto na plataforma do ar

 Tá tudo aí, tá tudo aí

Quem vai querer comprar banana?

 

O primeiro disco foi todo autoral, não havia nenhuma parceria. O disco não teve um sucesso estrondoso, mas as críticas foram muito boas. Tárik de Souza, crítico de música do Jornal do Brasil, classificou a música “Pérola Negra” como uma “espantosa canção de amor; canção que confessa a incerteza e o dilema deste sentimento”.

Bem, como todo começo, o disco significou muitos shows pelo Brasil, e o dinheiro começou a entrar. Em 1975, lançou o álbum “Maravilhas Contemporâneas”. Melodia emplaca um novo hit: “Juventude transviada”, trilha sonora da novela “Pecado capital”:

Lava roupa todo dia, que agonia.

Na quebrada da soleira, que chovia.

Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada.

Uma mulher não deve vacilar.

Em 1975, Luiz Melodia resolveu participar do festival de abertura da Rede Globo de São Paulo, que sonhava reviver os antigos festivais, uma época maravilhosa. Das suas novas composições, uma caía-lhe muito bem naquele momento, “Ébano”:

Meu nome é Ébano

Venho te felicitar sua atitude

Espero te encontrar com mais saúde

Me chamam Ébano

O novo peregrino sábio dos enganos

Seu ato dura pouco tempo se tragando.

Eu grito ébano.

 

Apesar de não ter vencido o festival, Ébano foi a música campeã moral, podemos assim dizer. Eu posso dizer, pois me lembro desse festival.

Bem, nem tudo são flores. As coisas, do ponto de vista emocional, não estavam indo muito bem. Suas relações eram conturbadas e com uma especial, com a dançarina capixaba Beatriz Saldanha. Dessa relação, nasceu, em 1974, seu primeiro filho, Hiram, que ele só foi conhecer dois anos depois. A relação não estava nada bem

As separações geralmente machucam, principalmente quando um filho está no vácuo sem saber de nada. E Luiz Melodia tinha plena consciência disso foi quando compôs “Congênito”:

Se a gente falasse menos

Talvez a gente compreendesse mais

Teatro, boate cinema

Qualquer prazer não satisfaz

Palavra figura de espanto quanto

Na terra tento descansar.

Bem, enquanto isso, a gravadora pede mais um sucesso, e ninguém é uma máquina de sucesso. Luiz Melodia começou a reagir a isso:

“Eles querem que eu faça coisas com as quais não concordo. Ninguém vai dirigir a minha carreira. Eu não sou apenas um cantor, sou um artista” (pg 95).

Mas a vida provoca surpresas. Foi o que aconteceu quando conheceu Guilherme Araújo, que organizou um festival de verão em Itaparica, na Bahia. Luiz Melodia não havia sido convidado. O prazo para ficar em Salvador era de dez dias, essa era a proposta. Mas a vida não trabalha com o elemento previsibilidade. Em síntese, esses dez dias se transformaram em sete meses. Tempo em que ele foi ficando graças aos adiantamentos. Foi quando gravou “Mico de Circo”

Mas esse momento não fica só em um disco. Em sua permanência em Salvador, ele conhece Jane Reis. Depois que se conheceram, não se largaram mais. Em 1979, nasceu o seu filho Mahal Reis dos Santos. Nome este influenciado pelo bluesman americano Taj Mahal.

Sobre a personalidade de Luiz Melodia, podemos dizer que era um músico típico, ou seja, distraído, a léguas do planeta Terra. Passou por episódios de racismo por causa desse grau de distração quando esqueceu de levar os documentos e, o principal, o dinheiro, e não tinha como pagar o estacionamento. Passou por vaias extremamente racistas em um festival no interior de Pernambuco em fevereiro de 1973, racismo da polícia. Uma fama de maldito começou a correr de boca em boca. Mas é aquela coisa, maldito para quem? Para o diretor da gravadora? Para o público, ele sempre foi bem-dito. Para racistas, e para os invejosos e por querer sempre direcionar a sua carreira de acordo com os seus instintos de artistas? Bem, nesse caso ele foi maldito, isso é verdade.

Jane Reis e Luiz Melodia enfrentaram muitas barras juntos quando se casaram e resolveram ir para o Rio de Janeiro. Muitas mudanças, mas ao mesmo tempo Jane foi o norte na carreira de Luiz Melodia. Ela teve que administrar drogas, excessos, combinações explosivas, como o álcool e o “caratê boliviano” (leia-se cocaína). Mas foi graças a ela que a carreira de Luiz Melodia decolou do ponto de vista empresarial. Viajou apresentando shows em vários festivais na Europa.

O livro retrata a perda de parceiros queridos, como Torquato Neto, Waly Salomão e Perinho Santana. Retrata sua relação com a moda, influência de sua mãe Eurídice, que, nas palavras do próprio filho, era uma costureira maravilhosa. Mas a elegância de Luiz Melodia não se resume à vestimenta, o seu estilo é inconfundível. Fez filmes, como ator. Por exemplo, “Casa de Areia”, “Quase Irmãos”, interpretando o personagem “Seu Jorge”. Já nas trilhas sonoras, o músico esteve presente em “Como Nascem os Anjos”, “Cidade de Deus” e “Se eu fosse Você”. 

Sua morte se deu de uma maneira trágica, morreu muito cedo para os dias de hoje. Mas assim é a vida. Sua vida não foi em vão. Será sempre lembrado e celebrado através de suas canções, que estarão na eternidade. Assim é que um grande artista gosta de ser lembrado.

Toninho Vaz me apresentou a vida de Luiz Melodia (o Ébano) com a mesma elegância que trata todos os seus biografados. Fiquem certos de uma coisa: não será uma resenha que pode classificar a beleza desse livro, mas a leitura dele. Tem muito mais histórias bacanas, que você vai ler e, quando você chegar à última página, vai ouvir o Ébano dizendo: “Muito prazer, Luiz Melodia!”.

Não é a primeira vez que Toninho Vaz está por aqui no site Bons Livros para Ler. Um dos grandes biógrafos do Brasil. Indico sem pestanejar “Meu nome é Ébano − A Vida e Obra de Luiz Melodia”, que  merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 09 novembro 2020 (Atualizado: 09 de novembro de 2020) | Tags: Biografias


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Meu nome é Ébano. A vida e obra de Luiz Melodia
autor: Toninho Vaz
editora: Tordesilhas
gênero: Biografias;

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