A Noite do Iguana
Quase todas as peças de Tennessee Williams que li, eu não só as li, mas também vi os filmes baseados nelas. A peça “Noite de Iguana”, de que falaremos hoje, não foi diferente. Li a peça e assisti ao filme estrelado por Richard Burton, Ava Gardner, Deborah Kerr e Sue Lyon. O filme foi indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro, mas ganhou o Oscar de melhor figurino. A peça foi escrita em 1961 e baseada em um conto que ele mesmo escreveu em 1948.
A peça estreou na Broadway em 1961 e teve uma temporada de 316 apresentações. Foi indicada para o prêmio Tony de melhor peça. Encenada pela primeira vez em 1959 como um ato único, a peça foi revisada por Williams para dois atos no mesmo ano e, finalmente, para três atos em 1961.
Uma curiosidade sobre a peça “Noite de Iguana” é que ela se afasta do cenário do sul dos Estados Unidos. É ambientada em um hotel decadente no litoral mexicano. A peça tem elementos autobiográficos, mas não tem aquela devastação trágica de suas peças anteriores. Muito pelo contrário, nessa peça reside uma esperança.
Vamos à história?
A peça tem três atos e começa no verão de 1940 em um hotel bastante rústico e muito boêmio, o Costa Verde, localizado no topo de uma colina em frente a uma praia de Puerto Barrio, no México. Puerto Barrio de 1940, como diz na apresentação do livro, é muito diferente de hoje. Aas vilas ainda eram indígenas e muito primitivas. O cenário da peça é em uma varanda do hotel.
Tudo começa com o guia turístico (e ex-pastor) Lawrence Shannon, que conduz um ônibus com um grupo problemático de professoras batistas e texanas em uma excursão para o México. O roteiro feito pelas professoras foge do roteiro original e chega ao hotel de propriedade de Maxine Faulk.
Lawrence Shannon está com febre e, ao que tudo indica, contraiu no México o mal de Montezuma, também conhecido como diarreia do viajante — um mal-estar que acomete turistas em decorrência da ingestão de alimentos ou água contaminados por bactérias às quais seu sistema imunológico não está habituado. A expressão “mal de Montezuma” faz referência folclórica ao rei asteca Montezuma II, simbolizando uma espécie de vingança contra os estrangeiros.
Maxine Faulk, a dona do hotel, fica feliz quando vê o Lawrence Shannon. Os dois se cumprimentam e ele se joga ofegante em uma rede , pedindo ajuda para trazer as bagagens dos turistas. Maxine oferece uma bebida a Shannon, que recusa. Ele se encontra à beira de um colapso. Ele reclama com Maxine sobre o seu ônibus de turismo cheio de professoras. A Sra. Herzkopf e o Sr Herzkopf entram e descem em direção à praia, e Maxine explica a presença deles como presenças ilustres em seu hotel.
A Srta. Fellowes, uma das mulheres do ônibus, exige que Shannon lhe entregue a chave do ônibus. Ela está insatisfeita com as condições da viagem e exige que Maxine a deixe usar o telefone. Nesse momento aparece uma artista nômade chamada Hannah Jelkes, acompanhada de seu avô, Nonno, um poeta idoso procurando a gerente. Maxine tenta contemporizar todos oferecendo uma batida de coco.
“Miss Fellowes Shannon, trabalhamos que nem escravas o ano todo no colégio pra esta viagem e a viagem é uma roubada!
Shanon (para si): fantástico
Miss Felowes: É roubada! Você não cumpriu o horário nem o itinerário anunciado no folheto da Blake Tours. Agora ou a Blake Tours está nos enganando ou você está enganando a Blake Tours, e vou colocar o ônibus pra rodar – custe o que custar – vou...
Shannon: Ah, Miss Fellowes, não está claro pra você que seus insultos histéricos, difíceis de aceitar, não são... motivadas, provocados por... uma coisa trivial...quanto as ... motivações que você está, está... atribuindo a eles? Agora não podemos conversar sobre a causa real, verdadeira da...
Miss Fellowes: Causa de quê? (Charlote Goodball aparece no topo da colina)
Shannon: Causa da sua ira, Miss Fellowes, sua -
Miss Fellowes: Charlote! Fica lá embaixo no ônibus!
Charlote: Judy elas estão-
Miss Fellowe: Me obedece! Desce! (Charlote se retira como um cão bem adestrado. Miss Fellowes se volta para Shannon, que saiu da rede. Ele coloca uma mão conciliatória no braço dela.)
Miss Fellowes: Tira a mão de mim!
Maxine: Hah!
Shannon: Fantástico. Miss Fellowes, por favor! Pare de gritar? Por favor? Por favor, deixe as senhoras subirem aqui e comparem as acomodações com o que viram na cidade. Miss Fellowes, alguns lugares são bonitos e encantadores, mas outros não passam de uma imitação feia e barata de hotéis de beira de estrada no Texas e – (Miss Fellowes avança até para ver se Charlote obedeceu. Shanon a segue ainda conciliatório. Maxine diz: “Hah” , mas dá um tapinha enquanto continua apelando para Miss Fellow tapinha afetuoso nele ao passar por ela. Ele tira a sua mão enquanto continua apelando para Miss Felowes.) (pág. 353; pág. 354)
A Srta. Fellowes tenta impedir que os carregadores levem as malas para o hotel:
Shannon: Miss Followes? Todo grupo sempre tem um indivíduo descontente, que não está satisfeito com tudo que faço para deixar a excursão mais... singular – deixá-la extraordinária, pra dar um toque pessoal, um toque Shannon.
Miss Fellowes: O toque da trapaça, o toque de um ministro excomungado.
Shannon: Miss Fellowes, não , não , não…faça isso... que a senhora está fazendo! (ele está à beira da histeria, emite sons incoerentes, gesticula com punhos cerrados, depois cambaleia para a varanda e curva-se arfando contra um pilar. Não! Chega! Humano! Orgulho!” (pág. 357)
Um outro problema para Shannon surge quando as mulheres do ônibus não vão entrar no hotel, pois descobriram que Shannon havia seduzido a jovem Charlote e estão revoltadas com isso.
Hannah e Nonno tentam, com doçura, persuadir Maxine a deixá-los entreter os outros hóspedes em troca de hospedagem. Nonno interrompe a conversa com frases incoerentes. Hanna explica que, devido um derrame, ele vive de crises. Shannon intercede por Hannah, e Maxine concede a ela um quarto. Shannon vai à praia para nadar, e Nonno intervém agora recitando alguns versos de seu poema, que descrevem a atitude desesperançosa:
“Nonno: Com que calma a laranjeira presencia
O clarear do céu que se inicia
Sem um grito, sem uma oração
Sem uma visível exasperação” (pág. 372)
Horas depois, Maxine e Hannah aparecem para arrumar as mesas para o jantar. Maxine se recusa a deixar que Hannah ajude por se tratar de uma hóspede, e não de uma empregada. Ela sugere que ela não fique em seu hotel e vá para “Casa de Huespede”, um tipo de pensão que dá comida e ainda tem um médico caso precisem. Hannah oferece suas joias:
“Hannah: tenho uma coleção de peças de jade. Perguntei se conhece porque o entalhe do jade é o mais importante. (Ela retira um ornamento de jade de sua blusa.) Este, por exemplo, um milagre de entalhe. Minúsculo, tem duas figuras entalhadas – o legendário Príncipe Ahk e a Princesa Angh, e uma garça voando sobre eles. O artista deve ter recebido por este entalhe delicado o suficiente para comprar arroz durante um mês para família, mas o mercador que o contratou vendeu a peça por menos de trezentas libras esterlinas pra uma senhora inglesa que enjoou dela e me deu, talvez porque a pintei não como ela era na ocasião, mas como deve ter sido na juventude. Consegue ver o entalhe?
Maxine: É querida, mas não administro uma loja de penhores, estou tentando tocar um hotel.
Hannah: Eu sei, mas não poderia simplesmente aceitar como depósito pela nossa estada uns dias aqui?
Maxine: Vocês estão completamente falidos, né?
Hannah: Estamos, sim – completamente.
Maxine: Fala como se tivesse orgulho disso.
Hannah: Não tenho orgulho tampouco vergonha. Ficamos duros por acaso, o que nunca aconteceu antes em todas as nossas viagens.
Maxine (de má vontade): Você está dizendo a verdade, reconheço, mas eu também disse a verdade, quando disse, assim que vocês chegaram, que tinha acabado de perder meu marido e ele me deixou um buraco financeiro que, se a vida fosse mais importante para mim do que dinheiro, eu também teria me jogado no oceano com ele.” (pág. 375; pág. 376)
Shannon e os turistas alemães voltam da praia pedido cerveja. Maxine vai buscar a cerveja, e Charlote (a menina apaixonada por Shannon) entra, chamando por Shannon. Ela quer se casar com ele. Ele se recusa dizendo:
“Shannon: Meu docinho, você não sabe que não tem nada pior pra uma garota na sua, sua... condição instável... do que se envolver emocionalmente com um homem na minha condição instável, hein?
Charlote: Não, não, não eu –
Shannon (corta): Duas condições instáveis podem colocar fogo no mundo inteiro, podem explodir o mundo, sem chance de reconstrução, e isso é tão verdadeiro entre duas pessoas quanto verdadeiro entre...
Charlote: Só sei que você tem que se casar comigo, Larry depois do que aconteceu entre nós na Cidade do México!
Shannon: Um homem na minha condição não pode se casar , não é decente, nem legal. Ele tem sorte de conseguir, quem sabe manter o emprego. (ele continua segurando as mãos dela e tirando-as do ombro.) Estou quase louco, não consegue ver minha querida?” (pág. 383)
Charlote naquele momento estava com a conta emocional no vermelho, e Shannon dizendo que não a amava. Para piorar ainda mais a situação dela, quem surge? Miss Fellowes se aproxima e repreende Charlote por conversar com Shannon. Ela se vangloria de que um mandado de prisão do Texas foi emitido contra ele.
Hannah busca Nonno para jantar, e Shannon reaparece de seu cubículo vestido com uma batina para provar que não foi destituído do sacerdócio. Hannah começa a se abrir contando sua história enquanto Shannon relembra sua vida: ministro episcopal, Shannon teve um colapso nervoso após ter sido seduzido por uma jovem professora da escola dominical:
“Shannon: A atração natural, ou não natural, de uma ...lunática por... outro... foi só isso. Naquela época eu era o maldito arrogante que você consegue imaginar. Eu disse: vamos ajoelhar juntos e rezar, e ajoelhamos, ajoelhamos, mas de repente a posição ajoelhada virou uma posição reclinada no tapete do gabinete e... Quando levantamos? Bati nela. E bati, bati na cara dela e a chamei de vagabunda maldita. Então ela correu para casa. No dia seguinte, fiquei sabendo que tinha se cortado com a navalha do pai. É a solteirona paterna se barbeava.
Hannah : Foi fatal?
Shannon: Só machucou a superfície da pele o suficiente para sangrar um pouco, mas virou um escândalo.
Hannah: posso imaginar que ...tenha provocado certo comentário.
Shannon: Provocou, provocou mesmo. (passa a caminhar feroz como se a lembrança ainda o chocasse.) Então, no domingo seguinte, quando subi a um púlpito e olhei pra todos aqueles preguiçosos, me olhando com desaprovação, acusação, tive um impulso de mexer com eles. Tinha preparado um sermão – dócil, de desculpa –, joguei fora, atirei no presbitério. Olha aqui, eu disse, gritei, estou cansado de celebrar cultos louvando e venerando um delinquente senil – é disse isso, gritei? Todas as teologias ocidentais, toda mitologia, baseiam-se no conceito de Deus como um delinquente senil e, por Deus, não vou continuar celebrando cultos louvando e venerando esse, esse...esse...
Hannah: (calma) delinquente senil?
Shannon: Isso, esse velho irritado e petulante. Quer dizer, ele é representado como um velho rabugento, doente infantil e mal humorado – o tipo de velho que numa casa de repouso tenta montar um quebra cabeça e se não fica bravo e chuta a mesa. É, todas as nossas teologias fazem isso – acusam Deus de ser um delinquente senil e cruel, elas culpam mundo e brutalmente punem tudo o que ele criou por suas falhas de construção, e depois, ha-ha, é – caiu uma tempestade naquele domingo...
Hannah: Você quer dizer fora da igreja?
Shannon: Isso, e mais violenta do que eu. E eles saíram de fininho e entraram nos sedãs pretos brilhantes cor de barata há-há, e eu gritava atrás deles enquanto eles... (ele para com uma arfada de folego.)
Hannah: Saíram de fininho?
Shannon: Gritei atrás dele, vão, vão pra casa e fechem as janelas das suas casas todas as janelas e portas, contra a verdade sobre Deus! (m pág391 pág. 392)
Shannon proferiu um sermão blasfemo que enfureceu a congregação, que o expulsou da igreja. Shannon passou um tempo em um hospício e abandou o ministério para se tornar guia turístico. Agora ele se dedica a buscar uma concepção pessoal de Deus. Quando ele pede para ver seu retrato, Hannah pede que ele prometa que fará sermões suaves se algum dia retornar à igreja. Ela acredita que as pessoas precisam de alguém para guiá-las para águas tranquilas.
Os empregados de Maxine capturaram uma iguana. Um estrondo no quarto de Nono é ouvido, Shannon vai tentar ajudar o velho a descer para o jantar. Os alemães presentes começam a cantar uma canção nazista ao saber do bombardeio dos alemães em Londres. Nonno interrompe os alemães e recita um poema:
“Nonno: “O jovem deve ser disparatado e arrebatado espirituoso,
Nem antes encarar e nem depois do olhar medroso.” (falha de novo) (pág. 401)
Sua memória falha. Nonno, em seguida, constrange Hannah perguntando se ela ganhou dinheiro vendendo suas pinturas.
“Nonno (revigorado): Hannah! Qual foi a bolada?
Hannah envergonhada: Vovô, sente-se e pare de gritar!
Nonno: Hah? Eles molharam sua mão com prata ou papel, Hannah?
Hannah (quase desesperada): Nonno! Chega de gritar! Sente-se a mesa. Hora de comer!
Shannon: hora de papar, Vovô.
Nonno (confuso, mas ainda gritando): Quanto eles pagaram?
Hannah: Nonno. Por favor!
Nonno: Eles, você...vendeu para eles uma ...aquarela?
Hannah: Vendi nada, Vovô!
Maxine: Hah! (Hannah vira-se para Shannon, sua compostura corriqueira despedaçada, ou quase.)
Hannah: Ele não vai sentar e nem parar de gritar.
Nonno (pisca e ri com a grotesca sugestão de uma velha coquete): Hah, ficamos ricos Hannah?
Shannon: Sente-se você, Miss Jelkes. ( Ele diz isso com uma autoridade gentil, à qual ela cede. Ele pega o antebraço do velho e coloca em sua mão uma cédula mexicana amassada). Senhor? Senhor? (ele está gritando.) Cinco! Dólares! Estou colocando no seu bolso.
Hannah: Não podemos aceitar...gorjetas Mr. Shannon.
Sjhannon: Inferno, dei cinco pesos para ele.
Nonno: Muito bom para um poema!” (pág. 401; pág. 402)
Em seguida, Maxine avisa a Hannah para ficar longe de Shannon:
“Maxine: Senti as vibrações entre vocês - sou muito boa em pegar vibrações entre pessoas – e com certeza houve uma vibração entre você e Shannon quando chegou aqui. Foi só isso que criou este...desentendimento entre nós. Então se você simplesmente não se meter com Shannon, você e seu avô podem ficar o tempo que quiserem, querida.” (pág. 414)
Hannah demonstra surpresa pelo fato de Maxine considerá-la uma ameaça. Ela garante a Maxine que não tem interesse em Shannon. Shannon retorna e oferece um cigarro a Hannah, enquanto uma tempestade se aproxima. Ao se abrigar sob a varanda, Shannon observa a tempestade e lava o rosto com a chuva torrencial.
Algumas horas depois, Shannon e Hannah estão sentados na varanda – Hannah lendo um livro e Shannon escrevendo uma carta para seu Bispo.
Maxuine, que estava observando Shannon, o lembra da culpa que carregava pelos prazeres masturbatórios dele quando criança. Maxine havia ouvido uma conversa entre ele e Fred (marido de Maxine) sobre a origem da instabilidade mental de Shannon:
“Maxine: Sim e não, querido. Sei a diferença entre amar alguém e apenas dormir com alguém – até eu sei isso. (Ele começa a se levantar.) Nós dois chegamos num ponto em que temos que arrumar algo que funcione para as nossas vidas – mesmo que não esteja no nível mais alto.
Shannon: Não quero apodrecer.
Maxine: Não vai. Não vou deixar. Conheço seu histórico psicológico. Lembro de uma conversa nessa varanda com Fred. Você explicava como seus problemas começaram. Você disse a ele que Mamma, sua Mamma, costumava te mandar pra cama antes de dormir – então você praticava o vício de menininho, brincava sozinho. E uma vez ela te pegou no flagra e bateu na sua bunda com a parte de trás de uma escova de cabelo. Disse que tinha que te punir porque sua brincadeira deixou Deus e ela tristes e ela teve que te punir pra que Deus não te punisse pior.
Shannon: Eu estava falando com Fred.
Maxine: É, mas eu ouvi tudo. Você disse que amava Deus e Mamma e por isso parou de brincar pra agradá-los, mas era seu prazer secreto contra Mamma e contra Deus por terem obrigado a parar. E depois se voltou contra Deus pregando sermões ateísta e se voltou contra Mamma começando a deitar com garotinhas.” (pág. 423)
Shannon pede que Maxine largue do seu pé. Ele se sente incomodado por ouvir as verdades e saber que a carta ao Bispo não resultará em nada. Quando chega Jake Latta, o guia turístico chefe da Shannon da Blake Tours, agência em que Shannon trabalha. Ele entrega a chave do ônibus. A Srta. Fellowes informa que Shannon será banido de todas as agências de viagens dos Estados Unidos a partir de agora.
“Miss Fellowers: Você foi expulso da sua igreja! Por ateísmo e sedução de garotas!
Shannon: Diante de Deus e de testemunhas, você está mentindo, mentindo!
Latta: Miss Fellowes, quero que saiba que a Blake Tours foi enganada sobre o passado deste sujeito e de agora em diante A Blake Tours se certificará de coloca-lo na lista negra de todas as agências de turismo nos Estados Unidos.” (pág. 434; pág. 435)
Ao ser informado por Jake Latta que não exercerá mais a profissão de guia turístico, pois foi banido de todas as agências de viagens dos Estados Unidos, ele perde a cabeça e urina nas malas de todas as senhoras.
Quando Shannon retorna, Maxine ordena que seus carregadores o amarrem em uma rede enquanto vai buscar a conta dos turistas. Os turistas alemães entram atormentando Shannon, que está em pânico amarrado na rede:
“Frau Fahrenkopf: É verdade que você fez xixi em todas as malas das senhoras do Texas? Hah?Hah? Correu até o ônibus lá embaixo e bem na frente das senhoras fez xixi em todas as bagagens das senhoras do Texas? (o protesto indignado de Hannah é afogado pela risada rabelasiana dos alemães.).” (pág. 440)
Hannah expulsa os alemães, e Shannon pede que ela o desamarre; Hannah se recusa a fazê-lo até que ele se acalme. Ela lhe prepara um chá de papoula. Hannah deduz que Shannon gosta de seus ataques de pânico, pois são mais fáceis do que a crucificação. Shannon tenta de todas as maneiras se libertar da rede. Nervosa, Hannah chama Maxine, que se senta sobre ele e o ameaça com uma viagem ao hospício:
Maxine: Agora ouve bem, seu irlandês moreno louco, seu! Seu irlandês moreno e protestante insano, liguei para o Lopez, doutor Lopez. Lembra dele? – o homem de jaleco branco sujo que veio na última vez que surtou? E te arrastou para Casa de Loucos? Onde te jogaram naquela cela só com um balde, canudinho e um cano de água? E você rastejou até o cano de água? E caiu e bateu a cabeça no chão e teve concussão? É, disse a ele que você tinha voltado aqui para surtar de novo, e se não se acalmasse hoje à noite, devia ser arrastado de manhã. (pág. 448)
Shannon toma o seu chá:
Shannon: Pelo fantasma de Cesar! – parece o chá das bruxas de Macbeth (pág. 450)
Ele sai da rede, vai em direção ao carrinho de bebida e prepara uma batida de coco. Hannah revela a história de sua vida:
“Hannah: Nunca tive um surto, não pude me dar esse luxo. Quase morri uma vez. Já fui jovem, Mr. Shannon, aquele tipo que consegue ser jovem sem realmente ter juventude a não ter a juventude quando se é pobre é muito perturbador. Mas tive sorte. Meu trabalho, esta terapia ocupacional que arrumei – pintar e fazer desenhos rápidos – me fez olhar par fora de mim, não para dentro, e gradualmente no fim do túnel de onde eu lutava pra sair, comecei a ver esta luz cinza fraca, muito fraca – a luz do mundo fora de mim – e continuei escalando na direção dela. Eu tinha que subir.
Shannon: ela continuou uma luz cinza?
Hannah: Não, não, ficou branca
Shannon: Apenas branca e nunca dourada?
Hannah: Não ficou apenas branca, mas é muito bom ver uma luz branca no fim de um longo túnel negro que você pensava que nunca ia acabar, que apenas Deus ou a morte poderia pôr um fim, especialmente quando você duvida da existência de Deus.
Hannah: Não como antes. Sabe, na minha profissão tenho que olhar os rostos humanos com firmeza e de perto pra captar coisas neles antes que fiquem inquietos e gritem: “Garçom, a conta, vamos embora”. Poucas vezes, vejo borrões de massa úmida se passando por rostos humanos. Então sinalizo pro Nonno começar a declamar porque não consigo desenhar esses rostos. Mas estes rostos não são corriqueiros, acho até que não são reais. Na maior parte das vezes. Na maior parte das vezes vejo algo e consigo pegar, como peguei algo no seu rosto quando te desenhei hoje a tarde de olhos abertos. Ainda está ouvindo? (ele se agacha ao lado da cadeira dela, olha para ela atentamente). Em Xangai, Shannon, há um lugar chamado Casa dos Moribundos – os moribundos velhos e sem dinheiro, cujos filhos netos, mais jovem sem dinheiro, os levam para lá para morrerem em esteiras de palha. Na primeira vez que fui lá fiquei chocada, sai correndo. Mas voltei depois e vi que filhos e netos e os donos do lugar tinham colocado alguns confortos ao lado do leito de morte, flores e balas de ópio e símbolos religiosos. Por causa disso consegui ficar e desenhar os rostos moribundos. As vezes apenas os olhos estavam vivos, mas, Mr. Shannon, aqueles olhos de moribundos sem dinheiro com aqueles últimos confortos ao redor olhavam para cima com o último brilho de vida restante tão claro quanto as estrelas no Cruzeiro do Sul, Mr. Shannon. E agora... agora vou dizer uma coisa que vai parecer algo que somente a neta solteirona de um insignificante poeta romântico poderia dizer... Nunca vi nada tão bonito nem mesmo a vista desta varanda entre o céu e a praia de águas calmas, e ultimamente os olhos do meu avô me olham daquele jeito... (ela se levanta abruptamente e anda até a varanda.) Me diga que barulho é este que sempre escuto aqui embaixo?” (pág. 456; pág. 457)
Hannah implora que Shannon liberte a Iguana. Hannah começa a dar conselhos a Shannon sobre como superar seus problemas emocionais, comparando a sua vida com a dele. Hannah comenta que teve um demônio que precisou vencer simplesmente respeitando o lado sombrio de sua natureza. Shannon se surpreende por ela ter enfrentado turbulências emocionais, mas mesmo assim continua a insistir no assunto. Ela responde que segue em direção à luz em sua vida e se acalma com respirações profundas.
Shannon pergunta a Hannah o que ela fará quando Nonno morrer. Hannah, hesitante, afirma que continuará vivendo, viajando pelo mundo e pintando quadros para turistas. Percebendo uma conexão entre os dois, Shannon pergunta a Hannah se ela teve algum relacionamento amoroso. Relutantemente, Hannah admite que vive uma vida de castidade – exceto em duas ocasiões:
“Hanna: É, duas. E não estava exagerando e não diga “fantástico” antes de contar duas histórias. Quando tinha dezesseis anos, sua idade favorita, Mr Shannon, todo sábado à tarde Nonno me dava trinta centavos, minha mesada, meu pagamento pelas tarefas da secretárias e dona da casa. Vinte centavos para entrar na matinê de sábado do cine Nantucker e cinco centavos extras pra um saco de pipoca, Mr Shannon. Eu me sentava no fundo do cinema quase vazio pra que o barulho da pipoca não perturbasse os outros espectadores. Bom... uma tarde um rapaz sentou-se ao meu lado e encostou o joelho dele... no meu e... eu pulei duas poltronas, mas ele sentou-se ao meu lado e continuou esta...pressão! Eu dei um salto e gritei, Mr Shannon. Ele foi preso por molestar uma menor.
Shannon: Ele ainda está na cadeia de Nantucket?
Hannah: Não. Eu o soltei. Disse a polícia que era um filme de Clara Bow – e eu estava superagitada.
Shannon: Fantástico.
Hannah: É, muito! A segunda experiência é muito mais recente, apenas dois anos atrás, quando Nonno e eu trabalhávamos no Hotel Raffles, em Cingapura, e estávamos indo bem lá, gastando dinheiro e tal. Uma noite em Palm Court do Raffles, encontramos um vendedor australiano, de meia-idade, um tipo desinteressante. Você sabe – rechonchudo, cabelo com falhas, numa péssima tentativa de falar com sotaque de alta classe e terrivelmente amigável demais. Ele estava sozinho e parecia solitário. Vovô declamou um poema pra ele e eu fiz um desenho rápido e descaradamente lisonjeiro dele. Ele me pagou mais do que o preço normal e deu cinco dólares malaios pro vovô, e, e ainda comprou uma aquarela. Então era a hora de Nonno dormir. O vendedor australiano me chamou para um passeio de sampana com ele. Bom, ele tinha sido tão generoso ... aceitei. É aceitei. Vovô foi dormir e sai na sampana com este vendedor de peças íntimas. Notei que ficou cada vez mais... (pág. 463; pág. 464)
Hannah segue o relato:
“Hannah: Ele tinha comprado uma aquarela. O incidente foi constrangedor, não violento. Saí e voltei sem ser molestada. Ah, e a parte mais engraçada de tudo é que, quando voltei para o hotel Raffles, ele tirou a peça de roupa do bolso como um garoto tímido que entregas uma maçã pra professora e tentou deslizá-la na minha mão no elevador. Não aceitei. Sussurrei: “A, Mr Willoughby!”. Ele pagou o preço normal da aquarela e, de algum modo, a experienciazinha tinha sido bastante tocante, quer dizer, eu estava tão solitária, lá na sampana, com manchas violeta no céu e aquele australiano de meia idade fazendo sons como se estivesse morrendo de asma! E o planeta Vênus saindo serenamente de uma nuvem no céu claro, sobre o Estreito de Málaca.
Shannon: Essa experiência...você chama isto de uma...?
Hannah: Uma experiência de amor? Sim. Chamo (ele a observa com incredulidade, espiando seu rosto tão perto que ela fica constrangida e entra na defensiva.)
Shannon: Este episódio triste e sujo, você chama de uma...?
Hannah: Com certeza foi triste – pro homenzinho estranho – mas por que chama de “sujo”?
Shannon: Como você se sentiu quando entrou no seu quarto?
Hannah: Confusa, eu... um pouco confusa, suponho... conhecia a solidão – mas não nos graus ou profundidade.
Shannon: Quer dizer que não achou a experiência nojenta?
Shannah: Nada que é humana me dá nojo a menos que seja indelicado e violento, E eu disse que como ele foi gentil – cheio de arrependimento, tímido e realmente muito delicado. Contudo, admito que foi no nível bastante fantástico...” (pág. 466; pág. 467)
Hannah se prepara para arrumar as malas. Shannon pergunta se eles poderiam viajar pelo mundo juntos; Hannah recusa o convite, o que faz Shannon perceber que está vinculado a Maxine. Shannon desamarra a iguana a pedido de Hannah. Assim que Shannon a liberta, ouve-se o grito de Nonno recitando seu novo poema, no qual vinha trabalhando há anos sem cometer um erro ou esquecer as palavras. Hannah, tomada pela emoção, anota o poema:
Nonno (em voz alta e exaltada):
“Com que calma a laranjeira presencia
O clarear do céu que se inicia, Sem um grito, sem uma oração
Sem uma visível exasperação...
A árvore pela noite coberta
Do acaso até a noite incerta
Verá o zênite de sua vida murchar
E então uma segunda história a começar
Uma crônica então dourada cor,
Uma negociação com névoa e bolor,
E finalmente do caule a separação
A queda para a terra; e então
Um intercurso mal projetado
Para seres de um tipo dourado
Cujo verde nativo deve cair num aceno
Ao amor da terra corrompido e obsceno.
E ainda a fruta verde o galho
Observam o céu branqueando de orvalho
Sem um grito, sem uma oração, Sem nenhum desespero de traição.
Ah, Coragem, você não poderia também escolher
Um segundo lugar para viver.
Não apenas aquele galho dourado.
Mas no meu coração amedrontado?
Anotou isso?” (pág. 476; pág. 477)
Hannah diz que vai datilografar o poema pelo amanhã e que o ajudará a publicar a nova obra.
Maxine entra e pergunta para Shannon se ele gostaria de nadar ao luar com ela. E insiste que ele fique e ajude a administrar o hotel. Shannon concorda, e eles seguem para a praia. A peça termina quando Hannah descobre que Ninno morreu após recitar seu poema.
“Noite de Iguana”, de Tennessee Williams, merece um lugar de HONRA na sua estante.
