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Admirável mundo novo

Li “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley quando era garoto, tinha uns 17 anos na época. E hoje estou com 60 anos e, quer queira, quer não, já faz um longo tempo que fiz essa leitura pela primeira vez. Essa retomada se deve a dois motivos. O primeiro: já estava para reler esse livro, pois sabia que seria uma grande obra a ser indicada, apesar de saber de antemão que muitos já devem ter lido. O segundo motivo é que “Admirável Mundo Novo”, juntamente com “1984”, de George Orwell, e o Complô contra América”, de Philip Roth, já resenhado aqui neste espaço, estão tendo uma procura enorme no exterior segundo o jornal The New York Times. Principalmente “1984”, de George Orwell. Qual seria o motivo dessa procura? Antes de responder a essa pergunta, gostaria de falar sobre o livro em questão, “Admirável Mundo Novo”.

Vamos a ele? Este romance tem como tema uma Utopia, um estado “ideal”. É um romance sobre ideias, e seus temas são tão importantes quanto seu enredo. Os temas levantados nos fazem pensar sobre a Utopia de Huxley e o nosso mundo de hoje.

O livro nos apresenta os objetivos dessa “Utopia”. A comunidade é, em parte, o resultado da identidade e da estabilidade. E essa estabilidade é alcançada através de uma religião que incentiva as pessoas a alcançar a solidariedade através da orgia sexual. E isso é conseguido organizando a vida para que uma pessoa quase nunca esteja sozinha.

 

Nas três classes inferiores, as pessoas são clonadas para produzir gêmeos idênticos. Durante o período de gestação, os embriões viajam em garrafas ao longo de uma correia e são transportados através de um edifício de fábrica e são condicionados a pertencer a uma das cinco castas: Alpha, Beta, Gama, Delta ou Epsilon. Os embriões Alpha estão destinados a se tornarem líderes e pensadores do Estado Mundial. As castas Beta e Gama nascem para serem condicionadas a serem um pouco física e intelectualmente capaz. Os Deltas e os Epsilons nascem atrofiados por falta de oxigênio e de tratamentos químicos e estão destinados ao trabalho mais duro; são resistentes à poluição e fisicamente mais fortes e marginalizados.

 

A engenharia genética é um tema recente, mas Huxley usou esse termo na época em que escreveu o livro para explicar como o seu novo mundo gerava números prescritos de seres humanos artificiais para qualidades especificadas. Nesse novo mundo, embriões humanos não crescem dentro do ventre de suas mães, mas em garrafas. O condicionamento biológico ou fisiológico consiste em adicionar produtos químicos ou girar as garrafas para preparar os embriões para os níveis de força, inteligência e aptidão necessárias para determinados postos de trabalho. Quando os bebês nascem são condicionados, física e quimicamente na garrafa, e psicologicamente tornam-se cidadãos da sociedade felizes com um gosto, uma aptidão para o trabalho que eles irão fazer quando alcançarem a idade adulta. Uma técnica de condicionamento psicológico é a hipnopédia, ou seja, ensinar as pessoas enquanto dormem – não ensinar fatos e análises, mas plantar sugestões que as levarão a se comportarem de determinadas maneiras.  

Toda a sociedade do Estado Mundial gira em torno da economia e da diversão. Os processos de produção, até onde entendi, são uma espécie de linha de montagem semelhante à Ford. O trabalho das pessoas é o dia inteiro e, à noite, dedicam-se aos sentidos, como jogar golfe eletromagnético ou fazerem sexo recreativo. As amizades são superficiais e não há relações familiares. 

Um dos princípios mais profundos nos quais se baseia a Utopia é o conceito de história. As pessoas têm um conhecimento do passado, de modo que elas não serão capazes de comparar o presente com qualquer coisa que possa mudar o presente. Outro princípio é que as pessoas não devem ter emoções. A felicidade cega é necessária para a estabilidade. E para alcançar a felicidade, é dever abrir mão da ciência, da arte, da religião e de outras coisas que valorizamos no mundo real. Uma das coisas que garantem essa felicidade é uma droga chamada soma, que acalma o indivíduo alterando a sua sensibilidade, mas sem deixá-lo de ressaca.

Fico por aqui. O enredo do livro com suas tramas e subtramas deixo para que vocês leiam e apreciem as estranhezas de um mundo distópico criado por um gênio chamado Aldous Huxley.

O segundo ponto que gostaria de discutir aqui é: qual o motivo desse livro (“Admirável Mundo Novo”) e tantos outros, como “1984”, de George Orwell, e o “Complô Contra América”, de Philip Roth, estarem alcançando um enorme sucesso na Europa e nos Estados Unidos?

Aldous Huxley predisse em 1932 uma raça humana que, no ano de 2540, seria destruída pela ignorância, teria um desejo constante de entretenimento, teria o domínio da tecnologia e uma superabundância de bens materiais.

Estaríamos vivendo hoje um “Admirável Mundo Novo” antecipado? Com as redes sociais ocupando diariamente a vida das pessoas, podemos observar que o conhecimento está sendo substituído por um fenômeno novo, que são os memes, gostos, seguidores e a quantidade de curtidas que você recebe. Twitters? “O que amamos um dia nos destruirá”, disse Aldous Huxley. A raça humana, segundo o autor, será destruída pela ignorância, um desejo constante de entretenimento, o domínio da tecnologia e uma abundância de bens materiais.

Isso me faz lembrar Umberto Eco quando disse: “Normalmente, eles (os imbecis) eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo poder que um Prêmio Nobel”. Segundo Eco, a TV já havia colocado o “idiota da aldeia” em um patamar que se achava superior. “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”, acrescentou. O escritor ainda aconselhou os jornais a filtrarem com uma "equipe de especialistas" as informações da web porque ninguém é capaz de saber se um site é "confiável ou não". Hoje podemos verificar que todos os ataques, não apenas a quaisquer fatos, mas também aos que são centrais ao sistema de suas crenças, pode ser uma mentira. E à medida que o click acontece, milhares de pessoas passam para frente a desinformação e ela acaba se tornando uma realidade irreparável. Tudo que importa é que a mentira é clicável e o que determina é como ela se alimenta no preconceito das pessoas.

“Surpreendentemente, os consumidores de notícias alternativas, que são os usuários que tentam evitar a mídia mainstream”, chamada de “manipuladora de massas”, são os mais sensíveis à injeção de falsas alegações.

Hoje vemos políticos vandalizarem nossa compreensão da realidade. Com a eleição de Donald Trump como presidente dos EUA, estamos entrando no “Admirável Mundo Novo”. Estamos vivendo aquilo que chamamos do “pós-fato”, que é um mecanismo de enfrentamento para os comentaristas que reagem aos ataques não apenas a quaisquer fatos, mas também aos que são centrais ao sistema de crenças.

Seja qual for a interpretação que daremos a esse livro, uma coisa é certa: existem muitas coincidências entre o ano de 2540 e os dias de hoje. E não é à toa que esse livro está voltando a ser lido por aqueles mais sensíveis aos movimentos autoritários que vemos surgindo na Europa e agora nos Estados Unidos. Por isso, indico “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, como um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 15 fevereiro 2017 | Tags:


< Os Buddenbrooks Sr. Daniel >
Admirável mundo novo
autor: Aldous Huxley
editora: Biblioteca Azul

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