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Mito e Significado

Estou tentando entender como funcionam os mitos. Esse será um tema recorrente aqui no site este ano. O livro de que falaremos hoje tem uma abordagem estruturalista do famoso intelectual Claude Levi-Strauss. Esse livro me ajudou e muito a entender esse universo. Mas estamos só no começo.

A resenha de hoje será como espécie de fichamento, ou seja, capítulo por capítulo, fazendo um breve resumo. O livro é excelente. Relaciona o mito com a história, com a ciência, com a música, com a antropologia e com a linguística. Não se assustem. Tentarei ajudar com este resumo.

O primeiro capítulo é o encontro do mito com a ciência. Nos séculos XVII e XVIII, Bacon, Descartes e Isaac Newton levantaram-se contra aquilo que podemos chamar de pensamento mitológico. Para isso, era necessário romper com o mundo dos sentidos. O mundo sensorial é um mundo ilusório, ao passo que o mundo real está indissoluvelmente ligado ao mundo das propriedades matemáticas, que só podem ser descobertos pelo intelecto.

Essa ruptura fez com que o pensamento científico encontrasse condições para se autoconstruir. No entanto, segundo Levis Strauss, a ciência contemporânea está tentando diminuir o fosso existente entre o chamado mundo dos sentidos e a explicação científica.

 Um exemplo citado por Levis Strauss diz respeito ao mundo dos cheiros, que não é algo subjetivo, descolado do mundo da ciência. Pelo contrário, os químicos têm toda a condição de dizer que cada cheiro e cada gosto têm uma determinada composição química.

Para Levi Strauss, a ciência tem dois modos de proceder: ou é reducionista ou é estruturalista. Reducionista quando reduzimos fenômenos complexos a  fenômenos mais simples. Um exemplo dado pelo autor: reduzir todas as coisas da vida a processos químicos e físicos. Isso pode explicar parcialmente um fenômeno, mas não totalmente.

 O estruturalismo de Levi Strauss, inspirado no estruturalismo de Saussure e na teoria dos fatos sociais de Emile Durkheim, além das inspirações do idealismo alemão de Immanuel Kant, nos dá um exemplo:

“ O código genético é um bom exemplo; é sabido que, quando os biólogos e os geneticistas experimentaram dificuldades em descreve o que tinham descoberto não encontraram melhor do que ir pedir emprestada a linguística, a sua linguagem, e passar então a falar de palavra por palavra, de frase de acento, de sinais de pontuação, e assim por diante”. ( pág. 22)

O que ele está tentando nos dizer? Que não existe significado sem ordem, ou seja, significa a possibilidade de qualquer tipo de informação ser traduzida para uma linguagem diferente. Falar de significado é olhar para as realizações da humanidade e verificar um denominador comum, ou seja, está ligado a uma ordem na esfera da mente humana. E a mente humana não passa de uma parte do universo, então o universo não é, segundo Levi Strauss, um caos.  No entanto, segundo o autor, a ciência jamais nos dará todas as respostas. No entanto, as respostas apesar de limitadas virão através da ciência.

O segundo capítulo chama-se “Pensamento primitivo e mente civilizada”. Qual o conceito de povos primitivos? Existem duas interpretações, ambas discriminatórias. A primeira definição: primitivos são os povos sem escrita, de qualidade mais grosseira que o nosso. Que vivem segundo as suas necessidades básicas de vida, satisfazem suas pulsões sexuais, ou seja, determinados pelas representações místicas e emocionais. Através dessa definição, podemos entender a mitologia desse povo e todas as suas instituições. Essa definição tem em Malinovski o seu principal defensor, cuja escola se chama funcionalismo.

 A outra forma de interpretas povos primitivos é encará-los como povos de pensamento inferior, diferente do nosso. Levy Bruhl é o representante dessa corrente. Para esse sociólogo e filósofo francês, o pensamento primitivo tem elementos emocionais e afetivos. Um pensamento desinteressado. A finalidade do pensamento desinteressado é atingir, por meios mínimos, diminutos e econômicos, uma compreensão geral do universo.

Para Descartes, as dificuldades do pensamento científico são divididas em várias partes, quantas precisarem ser. O pensamento científico pode dominar a natureza. No entanto, dá ao homem uma ilusão de que podemos entender o universo e de que ele entende de fato o universo.

Se a nossa capacidade mental é muito mais usada do que antes, uma coisa nós perdemos. Nós perdemos as nossas percepções sensoriais.

Levi Strauss cita uma tribo que conseguia ver o planeta Vênus à luz do dia. Os astrônomos profissionais disseram que era impossível conseguirmos enxergar esse planeta à luz do dia. Era inconcebível que algumas pessoas pudessem detectar a presença desse planeta.

 Só que velhos tratados de navegação pertencentes à nossa própria civilização indicam que marinheiros desse tempo eram perfeitamente capazes de ver o planeta Vênus à luz do dia. Nós teríamos condições de ver se tivéssemos a mente treinada.

 Outros exemplos aparecem, por exemplo sobre o nosso conhecimento acerca das plantas e animais. Os povos sem escrita têm um conhecimento espantosamente exato sobre seus meios e seus recursos.

As culturas não se diferenciavam uma das outras. Na verdade há centenas de milhares de anos, a humanidade não era numerosa na Terra e todos viviam isolados, de modo que cada uma das culturas desenvolviam suas próprias características, tornando os povos diferentes uns dos outros.

O progresso só apareceu a partir das diferenças. Para que uma cultura fosse realmente original, tinha que estar convencida de sua originalidade e, em certa medida, ter a certeza de sua superioridade sobre as outras. Hoje em dia estamos ameaçados de sermos apenas consumidores, indivíduos capazes de consumir seja o que for que venha de qualquer ponto do mundo e de qualquer cultura, mas desprovidos de qualquer grau de originalidade.

 Em síntese, podemos dizer que quanto mais homogênea se torna uma civilização, mais visíveis se tornarão as linhas internas de separação; e o que se ganha em um nível perde-se no outro. A humanidade, para viver precisa, de alguma forma de  diversidade interna.

“ Vamos considerar o mito do Canadá Ocidental sobre uma raia que tentou controlar ou dominar o Vento Sul e que teve êxito na empresa. Trata-se de uma história de uma época anterior à existência do Homem na terra, ou seja, de um tempo em que os homens não se diferenciavam de fato dos animais. Todos se sentiam muito incomodados com o vento porque os ventos, especialmente os ventos os ventos maus , sopravam durante todo o tempo, impedindo que eles pescassem ou que procurassem conchas com moluscos na praia. Portanto, decidiram que tinham de lutar contra os ventos, obrigando-os a comportarem-se mais decentemente. Houve uma expedição em que participaram vários animais humanizados ou humanos animalizados, incluindo a raia, que desempenhou um importante papel na captura do Vento Sul. Este só foi libertado depois de prometer que não voltaria a soprar constantemente, mas só de vez em quando, ou só em determinados períodos. Desde então, o Vento Sul só sopra em certos períodos do ano ou, então, uma única vez em dois dias; durante o resto do tempo a Humanidade pode dedicar-se as suas atividades”. ( pág. 35; pág. 36)

 

Essa história pode ser considerada absurda. E ela é delirante empiricamente falando. Como um peixe pode lutar contra o vento do ponto de vista lógico? Por que a raia e por que o Vento Sul? A resposta dada por Levi Strauss a essa lenda é intrigante. Essa história se parece com os  computadores modernos que podem ser utilizados para resolver grandes problemas adicionando-se uma série de respostas de “sim” e “não”. Mas é aí que está a originalidade do pensamento mitológico.

Se o Vento Sul sopra todos os dias do ano, para a humanidade isso torna impossível a sua sobrevivência:

“ Mas se apenas sopra em cada dois dias – “sim” um dia “não” o outro dia, e assim por diante -, torna-se possível uma espécie de compromisso entre as necessidades da Humanidade e as condições predominantes no mundo natural.

Assim, dum ponto de vista lógico, há uma afinidade entre um animal como a raia e o tipo de problema que o mito tenta resolver. Dum ponto de vista científico, a história não é verdadeira, mas nós só somente  podemos entender esta propriedade do mito em que a cibernética e os computadores apareceram no mundo científico, dando-nos o conhecimento das operações binárias, que já tinham sido postas em prática de uma maneira bastante diferente, com objetos ou seres concretos, pelo pensamento mítico. Assim, na realidade não existe uma espécie de divórcio entre mitologia e ciência.” ( pág. 37)

Resumindo, segundo Levi Strauss, não existe divórcio entre mitologia e ciência. No entanto, só podemos entender esse mito graças ao pensamento científico. O pensamento nos permitiu entender o que existe neste mito uma operação binária conhecida por todos aqueles ligados ao pensamento científico.

O terceiro capítulo chama-se “Lábios Rachados e Gêmeos –a análise de um Mito”.

Levi Strauss faz menção a um mito descoberto no século XVI pelo padre P.J. de Arriaga, publicado na sua obra Extirpacion de la idolatria del Peru. O missionário notou algo estranho em certa parte do Peru, principalmente nas épocas de frios intensos. O missionário convocava os habitantes que haviam nascido com os pés para frente ou que tinham lábio rachado, ou que fossem gêmeos. Todos eram acusados de serem responsáveis pelo frio porque dizia-se que tinham comido sal e pimenta e ordenava-lhes que se arrependessem de seus pecados.

 A menção desse mito foi feita por outros mitógrafos. Os lábios rachados e os gêmeos foram os temas. Estes dois mitos têm significados diferentes.  Levi Strauss vai buscar elos que ligam esses dois mitos, simbolicamente falando.

No Canadá, os gêmeos estão relacionados às desordens atmosféricas, e na costa da Colômbia britânica, entre os Índios, pensava-se que os gêmeos tinham poderes especiais para originar o bom tempo, afastar as tempestades e assim por diante.

Levi Strauss vai procurar a comunicação entre esses dois mitos em lugares diferentes, o mito norte-americano e o mito sul-americano. Para entender é preciso dar um salto da América do Sul para a América do Norte, porque será um mito americano que nos dará a chave do mito da América do Sul.

As populações das Américas pré-colombianas eram muito maiores do que se supunha. E pelo tamanho havia uma comunicação entre elas no tocante às crenças e às práticas. Esses mitos não são mitos isolados, Peru e Canadá são mitos pan-americanos, não mitos isolados. O mito tal como encontrado na América do Sul conta a seguinte história:

“ Ora, entre os Tupinambás, os antigos Índio da costa do Brasil ao tempo da descoberta como também entre os Índios do Peru, há um mito que fala de uma mulher que um indivíduo pobre conseguiu seduzir de uma maneira tortuosa. A versão mais conhecida, registrada pelo monge francês André Thevet no século XVI, explicava que a mulher seduzida deu à luz a gêmeos, um deles nascido de um pai legitimo, e o outro do sedutor, que é o Burlão. A mulher ia  encontrar-se com o deus que seria o marido, mas no caminho intervém o burlão e fá-la crer que ele é deus; então ela concebe também dele, e depois dá à luz gêmeos. E, uma vez esses gêmeos tem diferentes pais, possuem características antitéticas: um é corajoso e o outro é covarde; um dá bens aos Índios, enquanto outro é responsável por uma série de desgraças.” ( pág. 45)

Na América do Norte encontramos o mesmo mito, especialmente no noroeste dos EUA e no Canadá, onde o nascimento de gêmeos tem visões diferentes. Entre os Kootenay que vivem nas montanhas rochosas, há apenas uma fecundação que tem como consequência o nascimento de gêmeos, que mais tarde se tornam: um, a Lua e, outro, o Sol.

E entre outros índios da Colômbia britânica – os índios Thompson e os Okanagan –,  duas irmãs são enganadas por dois indivíduos diferentes, dando cada uma à luz um filho; não são realmente gêmeos, porque nasceram de mães diferentes. Mas as circunstâncias são semelhantes do ponto de vista moral e psicológico. São em certo sentido semelhantes a gêmeos. Aqui os gêmeos não são irmãos, mas primos. Todos nasceram através de um engano.

Segundo Lévi-Strauss, o mito tem seu prosseguimento ao afirmar que os gêmeos, ou os que se entendem por gêmeos, como no caso Kootenay, têm em outros mitos aventuras diferentes que os separarão. E esta divisão entre indivíduos que a princípio foram apresentados como gêmeos reais ou equivalentes. Ele são uma característica básica de todos os mitos da América do Sul e do Norte. Há uma trama em que a mãe é abordada por uma lebre no meio do caminho. Lévi-Strauss faz a associação da lebre como pertencente à família dos leporinos, que têm os lábios rachados:

“ Ora, depois dessa desgraçada noite passada na cabana do burlão, a irmã mais velha deixa mais nova e parte para visitar a sua avó, que é uma cabra da montanha e também uma espécie de mago; como já sabe que a sua neta vem a caminho, envia-lhe uma lebre para lhe dar as boas-vindas na estrada. A lebre escondeu-se debaixo do tronco que tinha caído no meio do caminho e, quando a rapariga levantou a perna para passar por cima do tronco, a lebre pode ver as suas partes genitais e lançou uma piada muito pouco apropriada. A rapariga ficou furiosa e bateu-lhe com um pau, fendendo-lhe o nariz. E ei que a razão porque os animais da família leporina têm agora um nariz rachado e um lábio superior, que nas pessoas se denomina lábio leporino, por causa destas peculiaridades anatômicas dos coelhos e das lebres.” ( pág. 47)

Resumindo, podemos dizer que existe uma ligação entre a mitologia americana e também a mitologia do mundo inteiro.

O que realmente  importa é que em toda a mitologia americana, e também na mitologia do mundo inteiro, há deidades ou personagens sobrenaturais que desempenham o papel de intermediários entre os poderes de cima e a humanidade embaixo. São representações de diferentes ângulos, mas, no entanto, há algo em comum por exemplo:

“Podem ser representa das de diferentes maneiras: há, por exemplo, personagens do tipo de um Messias e gêmeos de caráter celeste. Pode-se ver que o papel da lebre na mitologia algonkiana se encontra precisamente entre o Messias – ou seja o intermediário  único – e os gêmeos de caráter celeste. A lebre não é um par de gêmeos, mas um par de gêmeos incipiente. Embora seja um indivíduo completo, tem um lábio rachado e está a meio caminho de se tornar em gêmeos”. ( pág. 51)

Os gêmeos e os lábios rachados (leporinos) assumem diferentes significados com relação às culturas em que estão inseridos. Gêmeos e nascimentos com os pés para frente são sinais de um parto perigoso ou de um parto heroico porque será a criança que tomará a iniciativa e se tornará uma espécie de herói, ou de um herói assassino, mas, de qualquer forma, ela realiza uma façanha muito importante. E será essa a razão, segundo Levi Strauss,  pela qual várias tribos matam gêmeos, bem como as crianças com os pés para frente.

Na  sua discussão sobre mito e significado, o autor analisa a relação entre “mito e história” quando o mito se transforma em história. Alguns mitos apresentam histórias desconexas, outras histórias coerentes, todas divididas em capítulos que se seguem uns aos outros. Numa ordem lógica.

O autor pega como exemplo a bíblia, feita de alguns mitos desconexos e arcaicos que foram reunidos e postos em ordem por alguns nativose filósofos para tecerem uma história contínua.

 A pergunta que o autor faz é: onde começa  a mitologia e onde começa a história? A mitologia é estática, elementos mitológicos podem ser combinados de diferentes maneiras, mas sempre se mantendo como um sistema fechado, o que se contrapõe à história, que é um sistema aberto.

 Na história científica , se tomarmos dois relatos de historiadores de diferentes tradições intelectuais e com alinhamento político diverso, analisando a revolução americana ou mesmo a interpretação do início da  República no Brasil, não ficamos espantados que eles não contam exatamente a mesma coisa.

“ ...estudando cuidadosamente esta história, no sentido geral da palavra, que os autores índios contemporâneos nos tentam dar do seu passado, não a considerando como um relato fantástico, mas antes investigando com bastante cuidado, com a ajuda de uma arqueologia de salvamento – escavando os sítios referidos nas histórias - , e tentando, na medida do possível, estabelecer correspondências entre diferentes relatos, verificando o que corresponde e o que não corresponde, talvez possamos no fim deste processo chega a uma melhor compreensão do que é na realidade a ciência histórica” ( pág. 63)

A história substituiu a mitologia e desempenha a mesma função, já que, para as sociedades sem escrita e sem arquivos, a mitologia tem por finalidade assegurar com total certeza que o futuro permanecerá fiel ao presente e ao passado. Contudo, para nós, o futuro deveria ser sempre diferente, e cada vez mais diferente do presente, dependendo de algumas diferenças das nossas preferências de caráter político.

“ Mas apesar de tudo, o muro que em certa medida existe na nossa mente entre mitologia e história pode provavelmente abrir fendas pelo estudo de histórias concebidas não já como separadas da mitologia, mas como uma continuação da mitologia.” ( pág. 64)

Por fim Levi Strauss encerra seu livro abrindo uma reflexão  entre mito e significado discutindo  a relação entre a música  e o mito. Ele nos fornece alguns exemplos para compreensão do significado de um mito. O autor afirma:

“Esta é a razão porque devemos estar conscientes de que se tentarmos ler um mito da mesma maneira que lemos uma novela ou um artigo de jornal, ou seja, linha por linha, da esquerda para a direita, não poderemos chegar a entender o mito, porque temos de o apreender como uma totalidade e descobrir que o significado básico do mito não está ligado à sequência de acontecimentos que narra, mas antes, se assim se pode dizer, a grupos de acontecimentos, ainda que tais acontecimentos ocorram em momentos diferentes da história”. ( pág. 67, págs. 68)

O pensamento mitológico não desapareceu, mas passou para o segundo plano do pensamento ocidental da renascença e é no século XVI que começam a aparecer as primeiras novelas, em vez de histórias ainda elaboradas de modelo de mitologia. E foi a partir do século XVII, XVIII, XIX  que começaram a aparecer estilos musicais. Por música Levi Strauss enfatiza a música clássica, que depende do todo para serem entendidas as partes.

“ A  música que assumiu a função tradicional da mitologia não é um determinado tipo de música, mas a música tal como surgiu na civilização ocidental, nos primeiros quartéis do século XVII, com Frescbaldi, e nos primeiros anos do século XVIII com Bach, música que atingiu o seu máximo desenvolvimento com Mozart, Beethoven e Wagner, nos séculos XVII e XIX.” ( pág. 69)

Essa relação era considerada como uma relação arbitrária até então pelos estudiosos. No entanto, para Levi Strauss não é. Para  Levis Strauss , o mito não está ligado a uma sequência de acontecimentos, mas através de grupo de acontecimentos, ainda que esses acontecimentos ocorram de maneira diferente da história.

 Richard Wagner utiliza  o  subtexto musical como forma de apresentar as estruturas narrativas e mitológicas em suas óperas.

 Levi Strauss cita “O Anel dos Nibelungos”, de Richard Wagner, que une a tradição pagã da mitologia germânica com outras culturas ( sagas nórdicas). As quatro óperas que constituem  que constituem o Anel de Nibelungos,  de  acordo com a ordem cronológica do enredo, são: O Ouro do Reno, A Valquíria e o Crepúsculo dos Deuses.

 A partir da apresentação de um tema de Wagner, Levis Strauss demonstra mais uma vez como a sua metodologia possibilita entendermos as transformações.

 Há mitos e grupos de mitos que são construídos como uma sonata, uma sinfonia que pode ser buscadas na estrutura de um mito.

“Há uma história que gostaria de lhes contar. Quando andava a escrever Le Cru et Le Cuit, decidi dar a cada secção do livro o carácter de uma forma musical e chamar , a uma “sonata”, a outra, “rondó” e assim sucessivamente. Deparou-se-me então um mito cuja estrutura compreendia perfeitamente, mas o qual não encontrava uma forma musical que correspondesse à estrutura mitológica. Chamei então o meu amigo, o compositor René Leibowitz, e expliquei-lhe o meu problema. Descrevi-lhe a estrutura do mito: ao começo duas histórias completamente diferentes, sem relação aparente se misturam e confundem, até que no fim acabam por formar um só tema. Como se chama uma peça musical com a mesma estrutura? Ele pensou no assunto e disse-me que em toda a história da música não existia que ele soubesse, uma peça musical com tal estrutura. Assim não há nome para ela. E evidentemente possível compor uma peça musical com tal estrutura; e passadas algumas semanas ele enviou-me uma partitura que tinha composto com base na estrutura do mito que eu lhe contara.” ( pág. 73; pag74)

Para entendermos a relação entre linguagem, mito e música, a linguagem ocupa o ponto de partida. Mas ambas se desenvolvem separadamente, em diferentes direções. Enquanto na música o som está presente na linguagem, a mitologia sublinha o aspecto do sentido, profundamente conectado na linguagem.

Foi Ferdinand de Saussure quem mostrou que a linguagem é feita de elementos que não podemos separar: o som, por um lado, e por outro, o significado. Música e mitologia, conclui Levi Strauss, são irmãs geradas pela linguagem, as quais caminham por direções opostas.

 Fico por aqui, e indico para aqueles (como eu) que estão começando a se interessar pelo assunto: “Mito e Significado”, de  Claude Levi Strauss, merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 17 janeiro 2024 (Atualizado: 17 de janeiro de 2024) | Tags: Antropologia


< Linguagem, Mito e Religião As portas da percepção e Céu e Inferno >
Mito e Significado
autor: Claude Levi-Strauss
editora: Edições 70
tradutor: Marques Bessa
gênero: Antropologia;

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