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Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais

Um dos objetivos do meu site Bons Livros para Ler (www.bonslivrosparaler.com.br), além de dicas para um bom livro para ler, como indica o título, é ser uma zona de reflexão minha. Para isso, eu seleciono às vezes um título polêmico, totalmente diferente daquilo que eu penso, para testar as minhas convicções. Eu sou daqueles que me divirto testando as minhas convicções, lendo livros bem diferentes daquilo que penso. Esse é um dos meus hobbies.

O livro de hoje é de um escritor que eu o conheço desde o início da década de 1990. O autor foi um dos primeiros inventores daquilo que hoje chamamos de realidade virtual e da Inteligência artificial. Quando eu falo que conheço Jaron Lanier, digo por causa dos cabelos rastafári dele e de algumas entrevistas concedidas por ele na televisão.

O livro em questão se chama “Dez Argumentos para você deletar agora as suas redes sociais”, de Jaron Lanier. Em 2018 vi uma entrevista do autor concedida à Christiane Amampour na CNN americana. E fiquei intrigado. Afinal, ele foi um dos precursores de tudo isso que chamamos de internet e hoje ele é contra?

Foi quando ele fez um breve resumo de seu livro. Alguns temas abordados por ele durante a entrevista (em 2018) eu havia esquecido.  O tempo apaga a memória. Por isso eu amo livros.

Quando eu vi o livro dele lançado aqui no Brasil, comprei  e deixei de lado. Quando eu assisti ao filme chamado “Dilema das Redes” na Netflix, eu pensei cá com os meus botões: “Preciso ler agora esse livro”.

Jaron Lenier foi um dos frequentadores do Vale do Silício durante mais de 40 anos. Músico e engenheiro, ele acredita que as mídias sociais e empresas como Facebook e Google estão praticando modificações de comportamento que prejudicam as pessoas e a sociedade e minam a dignidade econômica daquilo que poderíamos chamar de economia de mercado.

A mídia social está nos deixando mais tristes, com mais raiva, menos empáticos, mais temerosos, mais isolados e mais tribais. Em “Dez Argumentos para você deletar agora as suas redes sociais”, Jaron Lanier baseia-se em sua experiência pessoal para explicar precisamente como a mídia social funciona − implantando vigilância constante e manipulando o subconsciente de seus usuários.

O título do livro já é uma provocação, soa como um clickbait, uma chamada para atrair a sua atenção, uma prática nociva que rola nas redes sociais, uma espécie de caixa-alta para fake news. No entanto, não é esse o caso. Não tem nada de fake nesse título. Trata-se de uma reflexão de quem criou ou ajudou a criar todo esse universo que conhecemos hoje. O livro é uma denúncia a práticas nocivas nas redes sociais, convidando-nos a abandoná-las.

Os efeitos cruéis e perigosos estão no cerne do atual modelo de negócios e design das redes sociais. O autor nos oferece dez argumentos simples para se libertar de seu domínio viciante. Seu manifesto espirituoso e urgente delineia uma visão para uma alternativa que fornece todos os benefícios das mídias sociais sem os danos.

Aqui está a resenha. Vamos a ela?

Nos últimos dez anos, com o advento do smartphone, esse dispositivo que carregamos o tempo todo conosco, não é difícil notar que, quando entramos em um metrô, por exemplo, vemos centenas de pessoas concentradas olhando para esses dispositivos o tempo todo.

De uma forma sutil, estamos sendo monitorados e medidos constantemente, recebendo feedbacks da engenharia o tempo todo. Vemos pessoas (quando falo “pessoas”, estou me incluindo também) hipnotizadas por técnicos que não podemos ver, para fins que não podemos enxergar, nem imaginar. Nas palavras de Jaron Lanier, nos tornamos ratos de laboratórios.

Segundo Lanier, algoritmos criados por gigantes como Google ou Facebook representam um perigo real, que nos levaria a perder o controle do nosso próprio cérebro. Os algoritmos estão se aproximando de um design definitivo que lhes permite manipular o cérebro humano sob um modelo no qual o comportamento do usuário se torna o produto.

Como se dá isso? Bem, em primeiro lugar (como já dissemos) os algoritmos exercem um papel central nisso tudo. Eles armazenam dados sobre você o tempo todo, em cada segundo.

Em que tipo de links você clica? Quais vídeos você assiste? Qual a rapidez com que você se desloca de uma coisa para outra? Onde você está quando está acessando esses links? Com quem você está se conectando pessoalmente e online? Você tem ideia das expressões faciais que você faz? O que você está fazendo antes de decidir comprar algo ou não? Em quem você vai votar?

Todas as medições e outras tantas estão sendo colocadas em leituras semelhantes sobre a vida das multidões por meio de uma espionagem em massa. Os algoritmos correlacionam o que você faz com o que todo mundo faz.

O primeiro argumento que Lanier nos oferece é que estamos “perdendo o nosso livre arbítrio”. Por meio de algoritmos que monitoram o nosso comportamento e atividades, o Google e outras mídias sociais gratuitas estão mudando o nosso comportamento sem que percebamos. Estamos nos tornando um produto de um tipo de behaviorismo estilo Burrhus Frederic Skinner (um dos papas do behaviorismo). Lanier escreve:

“Estamos sendo rastreados e avaliados constantemente, e recebendo o tempo todo um feedback artificial. Estamos sendo hipnotizados pouco a pouco por técnicos que não podemos ver, para propósitos que não conhecemos. Agora somos animais de laboratório” (pg 13)

B.F. Skinner, em suas experiências, montou um sistema metódico, conhecido como caixa de Skinner, no qual animais enjaulados recebiam guloseimas quando faziam algo específico. O resultado era apenas ação mecânica puramente isolada – um novo tipo de treinamento para tempos modernos. Vários behavioristas, que frequentemente transmitiam vibrações bastante ameaçadoras, aplicaram esse método às pessoas. As estratégias comportamentais geralmente funcionavam, o que assustava a todos, eventualmente levando a um monte de roteiros de ficção científica e de filmes de terror de “controle da mente” assustadores.

O behaviorismo é uma forma inadequada de pensar sobre a sociedade. Se você deseja motivar resultados criativos e de alto valor, em vez de realizar um treinamento mecânico, a punição e a recompensa não são as ferramentas certas.

O grande problema é que as pessoas estão sendo treinadas e ninguém sabe disso. Antes, se você quisesse participar de um experimento de psicologia de uma universidade, você se dirigia a um laboratório e alguém estaria observando você através de um espelho unilateral. Você sabia que um experimento estava acontecendo. Havia um consentimento para ser manipulado de alguma forma. Um dos itens discutidos no livro é que a vigilância se tornou normal – vigilância generalizada e manipulação constante e sutil. Para que isso está sendo usado? Bem, ninguém sabe.

Com uma certa razão, vocês poderiam fazer a seguinte pergunta a Jaron Lanier:

Meu filho, sei que você é inteligente e coisa e tal, mas vamos pensar nas coisas boas que o meu smartphone faz, como, por exemplo, chamar um táxi, pedir comida ou descobrir em tempo real onde os meus amigos estão. É complicado voltar atrás, você não acha? Ainda posso arrumar um(a) namorado(a) pelo Tinder. E ainda posso pagar minhas contas pelo smartphone, sem precisar encarar uma fila de banco. Tudo isso é lindo, e você quer acabar com isso?

Jaron Lanier vai concordar com as suas argumentações. Mas a resposta que ele dará é a seguinte:

Quando um aplicativo começa a funcionar, todo mundo fica preso a ele. É difícil lagar uma rede social específica para outra, porque todo mundo que você conhece está na primeira. É impossível todas as pessoas de uma sociedade fazerem backup de seus dados, se mudarem simultaneamente e restaurarem suas memórias. O problema são os monopólios globais que têm acesso às suas contas. E de controle. O grande problema é que não existe a opção de se mudar para redes diferentes. Largá-las é uma opção de mudança. Ficamos viciados nas redes sociais e nos transformamos em zumbis. e os zumbis não têm livre arbítrio, esse resultado é estatístico.

Um exemplo extraído do livro que Jaron Lanier nos fornece é a hipnose. Você pode confiar no seu terapeuta hipnotizador, mas se ele por acaso trabalhar para terceiros desconhecidos? Você se entregaria a ele?

Veja o que Sean Parker, o primeiro presidente do Facebook, disse:

Precisamos dar a você um pouco de dopamina de vez em quando, porque alguém gostou ou comentou em uma foto ou uma postagem, ou seja lá o que for (...) Isso é um circuito de feedback de validação social (...) exatamente o tipo de coisa que um hacker como eu inventaria, porque você está explorando uma vulnerabilidade na psicologia humana (...) Os inventores, criadores, sou eu, sou Mark [Zuckerberg], é Kevin Systrom no Instagram, todas essas pessoas – tinham consciência disso. E fizemos mesmo assim (...) literalmente muda a sua relação com a sociedade, uns com os outros (...) Isso provavelmente interfere na produtividade de maneiras estranhas. Só Deus sabe o que está fazendo com o cérebro de nossos filhos. (pg 17)

Os princípios de design usados em jogos de azar se correlacionam diretamente com aqueles usados nas mídias sociais. Veja o início da frase acima proferida pelo ex-presidente do Facebook Sean Parker. Ele admite que o Facebook foi projetado para consumir o máximo possível de tempo e consciência dos usuários. O objetivo é manter os usuários presos à colmeia, perseguindo aqueles ataques (de dopamina) enquanto deixa um fluxo de matéria-prima em seu rastro.

Responder aos gatilhos emocionais on-line costuma ser o ponto de entrada para o estado de “fluxo”, um modo de ser no qual ficamos tão absorvidos em uma atividade que nossa noção normal de tempo desaparece.

Perceba um jogador de máquina de caça-níquel, por exemplo, que vive em um fluxo, só que é um ciclo fechado, uma fuga da ação criativa que envolve suas vítimas em casulos de pura subjetividade. Ele ficam preso em irrealidades projetadas para minar a sua autonomia e permitir que suas emoções sejam habilmente manipuladas pelos projetistas da máquina.

Os usuários de mídia social vivenciam uma dinâmica semelhante, uma vida controlada por máquina que frequentemente torna-se compulsiva.

Lanier admite, no entanto, que não é fácil quebrar o vício, em parte porque muitos de nós sentimos que precisamos nos envolver com as redes sociais. Pode parecer que não há outra maneira de estar no mundo agora.

Mark Zuckerberg, em um artigo da New Yorker, disse:

“Isso é uma coisa inerentemente cultural. É a intercessão da tecnologia e da psicologia, e é muito pessoal”. Os funcionários do Facebook não são psicólogos que trabalham para melhorar a saúde mental das pessoas, mas algumas táticas que a empresa implantou foram projetadas para desencadear respostas psicológicas nas pessoas.

A empresa anos atrás começou a fazer experiências com feeds de notícias das pessoas para ver se notícias negativas tornariam as pessoas mais pessimistas online e se postagens positivas deixariam as tornariam mais gentis. Nada foi divulgado. No entanto, o New York Times descobriu o óbvio: “os usuários consentem com esse tipo de serviço de manipulação quando concordam com seus termos de serviço”.

Foi esse experimento psicológico que levou ao escândalo Cambridge Analytica. Tal escândalo revelou que os dados pessoais de 87 milhões de pessoas foram coletados por um pesquisador e vendido a uma consultoria, que é conhecida por usar “técnicas psicográficas para manipular o comportamento do eleitor”. O Facebook sabia de tudo isso e nunca mencionou nada aos seus usuários.

As consequências dessa experiência foram sentidas em todas as democracias, já que a Cambridge Analytica exerceu uma forte influência nas eleições americanas, no Reino Unido, na votação do Brexit.

Lanier usa a sigla BUMMER para explicar como funciona esse novo modelo de negócios:

“BUMMER é uma máquina estatística que vive nas nuvens da computação. Vale repetir: esses fenômenos são reais, ainda que estatísticos indistintos. Mesmos em sua melhor forma, os algoritmos Bummer só conseguem calcular as chances de uma pessoa agir de determinada maneira” (pg 43)

Ele reúne dados de usuários pelos quais não tem responsabilidade e os usa para manipular o usuário e obter um lucro enorme, ao mesmo tempo que prejudica a dignidade econômica do usuário. Não somos clientes do Google e do Facebook, somos produto dele.

A propaganda e a modificação do comportamento não são mais novas, é claro. No passado, olhávamos para a televisão e as empresas vendiam o produto. Agora os anunciantes estão nos vigiando, rastreando nosso comportamento individual e manipulando nossos feeds para determinar o que vemos. Influenciando o nosso livre arbítrio: essa política de vigilância prejudica a política, torna o que dizemos sem sentido, traz à tona o que há de pior em nós, destrói a nossa empatia e, nas palavras  Jaron Lanier, “odeia nossa alma”.

Uma outra questão abordada diz respeito ao modelo de código aberto e gratuito para todos resumido pelo Google e pelo Facebook. À primeira vista, esse é um modelo maravilhoso. Afinal, não pagamos nada por ele, não é mesmo? No entanto, a gratuidade foi o que alavancou esses serviços de uma forma tão rápida. Muitas pessoas usam esses serviços gratuitos para se conectar com os clientes e expandir os seus negócios. Caso fosse feito através dos meios tradicionais, o preço seria proibitivo. Seguindo essa linha de argumento, economizamos na propaganda para gastar em outras coisas, o que ajuda a economia crescer, diriam os economistas.

No entanto, seguindo a linha de raciocínio de Jaron Lanier, não é bem assim que a banda toca. Essa gratuidade é uma ilusão. O grátis tem um preço, e o preço, segundo o autor, é muito mais alto do que imaginamos. Estamos trocando nossos dados, nossa privacidade e nossa saúde mental e social por serviços gratuitos.

Um outro ponto levantado por Jaron Lanier em seu livro Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais” diz respeito à eficácia do ativismo baseado na mídia social. No livro ele sugere que a mesma mídia usada para organizar e conectar pessoas com um ponto de vista compartilhado – este recurso poderoso para ativistas que buscam fomentar a mudança – pode acabar encorajando seus oponentes. A maneira como funciona, de acordo com Lanier, é que o algoritmo pega um movimento social positivo, como Black Lives Matter, e o mostra a um bando de pessoas que tendem a se enfurecer por ele, apresenta-se umas às outras e então continua a irritá-las em busca do lucro, até que se tornem ainda mais terríveis e eficazes do que o movimento ao qual estava reagindo. Assim, por exemplo, o Black Lives Matter ajudou a galvanizar os movimentos de supremacia branca e da direita alternativa. Assim como os tuítes de Trump ajudaram no aparecimento de uma esquerda insurgente. Seus tuítes inflamam o oposto. E quem ganha é a empresa. Não foi à toa que Mark Zuckerberg foi chamado a depor no Congresso americano. E muitos anunciantes têm fugido do Facebook.

Uma vitória do Facebook pode significar o fim da democracia. É possível vermos esse sistema de paranoia e tribalismo pelo lucro ganhar cada vez mais poder. As evidências são grandes. A desinformação sobre Covid-19 que circula ainda no Facebook e Twitter diariamente estão nas redes sociais. No Brasil já morreram (até agora) 137 mil pessoas e vemos todas elas morrerem desse vírus e ainda acreditarem que é uma farsa ao mesmo tempo.

Para o Facebook, você não vale nada, não vai receber nada, só tem valor uma vez que são agregados, sem que você saiba. Você está no escuro, você é inútil, você não tem esperança, você não é nada. É nesse momento que um robô aparece feito de seus dados o substituirá. O robô é alguma coisa. E você é o quê? Bem, você é um lixo.

“O que quer que uma pessoa possa ser, se você quer ser uma, delete suas contas.” (pg 180)

Dez Argumentos para você deletar agora suas redes sociais”, de Jaron Lanier, é um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 22 setembro 2020 (Atualizado: 22 de setembro de 2020) | Tags:


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Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais
autor: Jaron Lanier
editora: Intrínseca
tradutor: Bruno Casoti

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