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Após o anoitecer

Após o anoitecer resenha

Os romances de Haruki Murakami nos levam a territórios hipnotizantes de sonhos. “Após o Anoitecer” não é diferente. Todos que frequentam este site sabem quanto eu admiro esse escritor. Basta acessar o site e escrever o nome de Murakami (na pesquisa de títulos e autores) e vocês verão uma série de livros resenhados desse autor. Em todas as suas obras, Murakami magicamente traduz sua prosa silenciosamente luminosa adicionando a humanidade, que é a sua assinatura.

“Após o Anoitecer” foi publicado em 2009 aqui no Brasil. A história se passa em tempo real, seguindo um grupo de personagens durante uma única noite em Tóquio. O romance é contado no presente, e o primeiro capítulo começa com o narrador nos guiando por Tóquio “pelos olhos de um pássaro noturno que voa alto”. 

Cinco para meia-noite, no momento em que os trens de metrô param de circular, mas os bares ainda fervilham. O narrador onisciente nos guia em um tour por Tóquio. Lentamente, ele nos conduz a um lugar de entretenimento e entramos no Dennys. Bem-vindos ao Dennys, a casa está lotada, faltam cinco minutos para meia-noite, quando o metrô fecha. Quem perdeu o trem ou fica na noite de Tóquio até a manhã seguinte ou pega um táxi que é caríssimo.

O narrador onisciente nos mostra uma menina sentada ao lado de uma janela desse lugar chamado Dennys. Ela está vestida com um agasalho cinza e um capuz, calça jeans azul e um tênis amarelo desbotado. Sabemos que o seu nome é Mari. Ela parece que entrou na faculdade há pouco tempo. Seu rosto é fino e pequeno. Usa óculos de aro preto. Está concentrada lendo um livro que não sabemos o título por causa da capa dura, e praticamente não tira os olhos dele. Sabemos que ela fala chinês fluentemente.

Sobre a mesa, uma xícara de café, um cinzeiro e, ao lado, um boné de beisebol azul-marinho com a logomarca B, do Boston Red Sox. A música de fundo é Go way little girl, de Percy Faith, e seu nome é Mari. Um rapaz franzino e alto entra nesse estabelecimento. Ele veste um casaco de couro preto, bermuda verde-oliva toda amarrotada e uma botina marrom. Seus cabelos são compridos. Ele é magro, mas a impressão que nos dá é a de que é uma pessoa de aparência relapsa. A garota percebe a sua presença, desvia a sua atenção. O rapaz abre um sorriso. Um sorriso de quem não tem más intenções.

Sabemos que ele é um trombonista cujo melhor amigo já namorou a irmã de Mari, que é uma modelo lindíssima chamada Eri. Ele reconhece Mari. Seu nome é Takahashi. Ele se senta em frente a ela e os dois começam uma conversa. Ele teme que ela saia sozinha à noite, sem trens para levá-la para casa, então deixa o seu número de telefone e lhe diz que estará de volta para o café da manhã após o ensaio, caso ela queira esperá-lo.

No capítulo seguinte vemos a irmã de Mari, Eri, em um sono profundo. A televisão está desligada. Vemos a imagem de um homem sentado em uma cadeira numa sala vazia que aparece na tela como uma sombra. Não há como saber quem ele é.

 De volta ao Dennys, vemos Mari sentada sozinha quando uma mulher chamada Kaoru, gerente de um hotel, pede sua ajuda. Ela é amiga de Takahashi (o garoto que conversava com Mari), que ao sair disse para ela que Mari era fluente em chinês. Kaoru é uma mulher grande e forte. Ela é descrita como vestida em uma jaqueta de couro preta com calças laranjas. Seu cabelo é espetado e loiro, e ela usa um gorro preto por cima enquanto está do lado de fora no ar frio do outono. Ela tem uma tatuagem de escorpião em seu ombro.

Kaoru precisava dela para ajudar como tradutora. Mari aceita ajudar. E vai em direção a um hotel chamado Alphaville, um hotel que abriga casais que desejam usufruir o sexo. Dentro de um dos quartos desse hotel, duas empregadas, Korogi e Komugi estão sentadas com uma garota nua, ela tem a mesma idade de Mari. Essa garota foi espancada. Mari se comunica com ela em chinês e descobre que ela era uma prostituta. Ela estava com um cliente quando ficou menstruada. Ele bateu nela além de ter roubado o seu dinheiro. Mari ajuda a prostituta chinesa a se limpar e chama o cafetão dela, um gangster também chinês, que chega e leva a mulher em uma motocicleta.

De volta ao quarto de Eri (irmã de Mari, a modelo), a imagem da tela fica mais clara. Agora o narrador nos convida a ver através da tela um homem vestido com um conjunto de terno marrom. Eri Asai continua deitada em sua cama dormindo profundamente. O cabelo desse homem é grisalho. Não podemos ver o seu rosto. Seu olhar se posiciona de lado. Eri parece estar em um universo paralelo através de uma tela de televisão.

Vemos nitidamente através do tubo de TV. O homem sem rosto continua a observá-la. Na verdade, ele está mascarado, olha para fora da tela diretamente para Eri. Eventualmente, Eri desaparece de sua cama e aparece ao lado do “Homem sem Rosto” na televisão. A dupla fica estática, mas o narrador garante que a imagem é em tempo real.

 

Mari e Kaoru saem para beber um drinque. Kaoru conta sua história, ela foi uma lutadora de artes marciais, mas, por causa de uma contusão, teve que abandonar o esporte que ela mais gostava e acabou trabalhando no hotel Alphaville. Elas conversam, e Kaoru oferece um de seus quartos para Mari de graça para ela passar a noite, mas Mari recusa e vai para o Skylark, um outro restaurante. Ela vai ao banheiro e observamos que o seu reflexo não sai do espelho quando ela lava o rosto.

Enquanto isso, Kaoru verifica as imagens de segurança em busca de alguma pista do agressor.  Kaoru e Karogi veem Shirakawa, um sujeito comum, uma sensação de anonimato e ausência de cor ou exclusividade. Quando ela o encontra, ela imprime sua foto e liga para o gângster chinês para ver se eles querem uma cópia de sua foto.

O narrador então nos leva a um escritório onde Shirakawa, o homem que aparece na foto do hotel, está trabalhando sozinho em um computador. Sua esposa liga, os dois conversam e ela pede que ele compre leite desnatado e ele concorda. Ele está empenhado no trabalho e parece ser um trabalhador respeitável, mas o narrador nos garante que foi ele quem bateu na prostituta. Em seu escritório ele se exercita em uma esteira e depois vai se limpar no banheiro. Ele se olha no espelho por um tempo e depois vai embora. Quando ele sai, o seu reflexo permanece. Ele chama o táxi e vai para casa. Antes ele para em frente a uma lata de lixo e joga fora as roupas da prostituta. E deixa dentro de uma geladeira de um estabelecimento comercial o celular da prostituta.

De volta ao quarto de Eri (irmã de Mari), sua cama está vazia. Ela está dentro da tela, dormindo em uma versão duplicada de sua cama.  Takahashi faz uma pausa de seu ensaio da banda e compra leite e uma maçã. Os dois conversam. Ele a convida para alimentar alguns gatos e ela concorda. Os dois chegam ao quarto e alimentam os gatos. Ela diz a ele que sua irmã está dormindo profundamente em casa. Mari diz a Takahashi que quer ir para Alphaville para dormir e liga a televisão. Ela pensa em sua irmã que está sofrendo de uma doença estranha que a faz dormir o tempo todo. Os médicos não sabem o que há de errado com ela, pois ela parece estar em perfeita saúde. Mari fica inquieta por ela estar fora enquanto a irmã está dormindo e foi por causa disso que ela passou a noite toda fora.

No quarto, Eri, está do outro lado da tela, tentando passar para o lado de fora, mas não consegue. Em sua casa, Shirakawa assiste a um programa sobre criaturas do fundo do mar. No hotel Alphaville, Mari e Korogi assistem ao mesmo programa. Korogi se abre e conta a Mari sobre o seu passado, e Mari conta a ela que sua irmã está dormindo há dois meses seguidos. Korogi encoraja Mari a tentar dialogar com sua irmã e ficar perto dela.

Quando o relógio bate cinco horas da manhã, Takahashi termina o ensaio, Shirakawa assiste ao noticiário e Mari dorme em Alphaville. No quarto de Eri, a televisão está desligada e Eri voltou para a sua cama de verdade. Takahashi vai ao parque e liga para Mari no Alphaville para saber se ela quer ir tomar café, mas ela que ir para casa. Ele vai ao hotel Alphaville e a acompanha até a estação do metrô. Ela revela a ele que está indo para China onde passará seis meses.

No final da noite, Mari vai para a cama com a irmã, chora e a beija três vezes. Em seguida, ela se deita e dorme aninhada ao lado dela. Um funcionário encontra o celular da prostituta que havia sido deixado no freezer por Shirakawa. O narrador nos leva de volta para cima da cidade de Tóquio, e observamos a cidade quando a manhã começa. Flutuamos até o quarto de Eri e observamos sua boca se contorcer.

O romance termina abruptamente, sem um desenlace final, tudo fica em suspenso, os mistérios envolvendo a história ficam sem resposta. Sabemos apenas que o relacionamento entre as irmãs está no centro de tudo. Só sabemos que as duas irmãs começam a se reconciliar. Mari se deita aninhada ao lado dela.  E Eri mostra sinais de recuperação de seu misterioso sono.

Haruki Murakami nos mostra o lado escuro que queremos esconder de nós e dos outros. É através do outro lado do espelho que o universo paralelo nos mostra o lado escuro de nós mesmos. Nossos reflexos sombrios nos observam. E muitas vezes esses reflexos escuros superam o lado mais brilhante. Shirakawa bate numa prostituta chinesa em um hotel para casais. É possível voltar para o lado mais claro novamente. No caso de Shirakawa, seu reflexo permaneceu no espelho. Da mesma forma que Mari que construiu um muro a seu redor e estava vivendo numa escuridão, escondendo seu mundo dos outros e de si mesma. Ela também deixa seu reflexo no espelho.

A irmã de Mari, Eri, era linda, amada e popular. Ela queria escapar dessa vida. Então resolveu dormir horas, foi a forma encontrada de se livrar da presença dos outros. Isolada se viu em um universo paralelo numa tela de televisão. Shirakawa e Mari são visitantes temporários deste mundo de Tóquio. Seus destinos são diferentes. Mari está inconscientemente tentando chegar “Após o anoitecer” para poder se conectar com sua irmã.

Kaoru pergunta:

 “Sei que não é da minha conta, mas falando sério, esta cidade não é um lugar adequado para uma garota como você ficar sozinha durante a noite. Tem uns caras perigosos rondando por aí. Até eu já me meti em algumas enrascadas. Fique sabendo que entre o último trem que parte e o primeiro que chega, este lugar se torna um pouco diferente do que é normalmente durante o dia” (pg 61)

Enfatizando a natureza da cidade “após o anoitecer”, Komugi e Kaoru dão as fotos de Shirakawa para o gângster e eles se referem a ele como um fantasma:

“Parece um fantasma, não? – Finalmente Komugui abre a boca. É hora de os fantasmas aparecerem – responde Kaoru

- Que medo

- Com certeza

As duas entram no motel. (pg 81, pág. 82)

 

Shirakawa parece ansioso em permanecer em um estado de escuridão mais sombrio. Seus desejos estão direcionados a permanecer em uma sociedade normal. Ele trabalha à noite e quer subir na empresa. Ele habita a noite e só chega em casa de manhã, direto para cama.

 Ao contrário de todos, Takahashi não tem inibições. Ele conversa com Mari e puxa conversa, apesar da tênue conexão social por meio de Eri. Ele é um habitante regular da cidade à noite, pois é músico e toca trombone em uma banda de jazz em um porão à prova de som, perto do motel Alphaville. Ele reconhece que não poderá ser músico para sempre, ou seja, a manhã o espera no futuro. Ele pretende terminar os seus estudos.

“Após o anoitecer” se passa em uma única noite, flutuamos sobre a cidade, essa criatura gigantesca, uma entidade coletiva criada por muitos organismos entrelaçados que se move em várias direções. Rodovias e artérias enviando dados novos. Um coletivo onde todos se conectam e se comunicam. Um livraço que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 11 novembro 2021 (Atualizado: 11 de novembro de 2021) | Tags: Realismo Mágico


< Boca de Ouro O Verão tardio >
Após o anoitecer
autor: Haruki Murakami
editora: Alfaguara
tradutor: Lica Hashimoto
gênero: Realismo Mágico;

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