Verão, arrastões e rolezinhos – uma estação sem meio termo
06 fevereiro 2014

Foram tantos os artigos sobre “rolezinho”, esse novo ingrediente de verão, aquecendo discussões e divergências que resolvi pensar sobre o assunto e dividir com vocês minha opinião, como carioca e sociólogo.

Como qualquer cidadão que mora numa cidade, estou acostumado a andar e frequentar lugares públicos e privados. Estou exposto como qualquer um às regras sociais estabelecidas. Há lugares que não se entra de bermuda, outro que não aceita cachorros. Lugares onde o celular deve ser desligado e se falar baixo, não apenas por convenção ou “etiqueta”, mas por respeito ao outro. E ainda como fumante, de uns tempos para cá, sempre me vejo isolado ou “do lado de fora” de algum lugar para fumar sozinho ou com outros “excluídos”. É assim que uma cidade funciona: com limites e regras para todos. Por isso meu estranhamento pelo surgimento desse movimento denominado de “rolezinho” que, até onde sei, tem de acontecer dentro de um shopping. E já me surge a primeira pergunta: o que estamos discutindo é o motivo da contestação ou o local onde acontece?

Li muitos artigos, todos sobre discriminação, raiva, revanche, redes sociais fervilhando de informações e fomentando encontros, firmando posições radicais, shoppings fechando, todos se posicionando contra ou a favor. Mas o que é isso afinal e por que esse assunto assumiu tanta proporção num país com uma pauta de problemas tão mais relevante. Afinal, queremos resolver um problema ou criar outros?


Vi muitos nomes que respeito entrando nessa conversa: intelectuais jornalistas, filósofos, teólogos da libertação, sociólogos, cineastas, muitos desses munidos de suas “fórmulas” mágicas de pensar. E muito desses pensamentos são ideologias, conceitos, pré-conceitos, visões de mundo que eles tentam aplicar na realidade. Em outras palavras, uma análise sempre “esquematizada”.

O mundo mudou, alguns problemas continuam os mesmos, mas a forma de abordá-los e resolvê-los também não é mais a mesma, e mais do que nunca devemos ser cautelosos quando nos rendemos a respostas reativas e a demonstrações de ousadia e força utilizando ferramentas que hoje acessam milhões de pessoas. Hoje, tudo ficou amplificado com a presença das redes, e incentivar muita gente, com palavras de ordem, atrás de um teclado, às vezes me parece uma saída fácil, inconsequente e midiática, que não levará ninguém a lugar nenhum. Se é que alguém tem noção de onde quer chegar.

Antes das redes sociais ganharem a dimensão que tem hoje, eu me lembro dos tempos em que olhava o céu e sempre me perguntava: “Será que existe vida inteligente em outros planetas?” Com o advento das redes sociais recorro a Ray Bradbury quando disse:

 

“Pode não preocupar os cientistas, mas a mim preocupa muito: será que existe vida imbecil em outros planetas?”


É claro que as redes sociais são positivas, mas também podem produzir verdadeiras catástrofes. Tudo depende de quem as usa. Pelas redes sociais pode se marcar um “arrastão” ou uma briga de torcidas organizadas, enfim.

Os “arrastões” no Rio de Janeiro, sabemos como funciona: começam no Arpoador, no fim de semana, com praias lotadas, e se estendem até o Leblon. Correria generalizada e provocada por pessoas que vão à praia com o intuito de tumultuar – e conseguem. O resultado é sempre igual: roubos, crianças perdidas, banhistas pisoteados, todos indignados e alguns agredidos. As ações da polícia determinam o pânico onde ninguém sabe quem é quem. E nessa hora, todos se misturam e a praia de muita gente termina mais cedo.

E o que percebo sobre esse fenômeno que há alguns anos acontece em nossas praias é o discurso que defende e vitimiza os “agressores”, sempre colocados como fruto de uma sociedade excludente, indivíduos sem acesso à educação e renegados por todos nós, e por isso andam em bandos e tem o direito de estabelecer o caos como se utilizassem um “direito de resposta” a todas às portas fechadas que encontram. Tudo isso permeado por muita análise sociológica, que são verdadeiros “quitutes” argumentativos, acrescidos do fermento da marca “clichê”. Francamente.

Os “arrastões” em nossas praias e os “rolezinhos” programados para shoppings tem um ponto forte em comum: podem ficar incontroláveis e causar muitas vítimas. Na teoria, tudo é lindo e perfeito, mas quem se responsabilizará pela ação desgovernada dos “infiltrados” que sempre se aproveitam desses movimentos para plantar violência e pânico? Até os organizadores desses eventos alertam sobre isso.

 

 

"Sou a favor só se não interferir na vida do trabalhador, do lojista e de quem está lá com a família. Quando começa a invadir o espaço que também é dos outros, sou contra. Porque aí não há ideologia, é só bagunça", afirma MC Bio G3. (fonte: Folha de São Paulo 26/01/2014)


E vejam o que diz a folha de São Paulo:

 

 

Os "rolezinhos" marcados pelas redes sociais atraem milhares de jovens que entram nos shoppings de forma pacífica. Uma vez lá dentro, costumam promover correrias. ”(fonte Folha de São Paulo – 26/01/2014).


Meu ponto não é sobre a verdade ou a mentira que está atrás de cada palavra dita ou atitude tomada por aqueles que se dizem “excluídos” ou por quem os “excluiu”. Nem sobre o direito de ir ou não ao shopping ser extensivo a pobres e abastados, mas o único ponto que levanto é de ordem prática e de segurança: shopping não é lugar para grande concentração de pessoas. Falo isso com propriedade, pois trabalho num shopping. E a maioria ensandecida que incentiva “rolezinhos” ignora os limites dessa estrutura meio pública, meio privada que pode colocar a vida de muita gente em risco.

Por exemplo, grandes eventos em shopping, como celebridades que agendam tardes de autógrafos ou eventos infantis como apresentações artísticas e a chegada de Papai Noel são devidamente planejados pela operação do shopping que administra sua segurança para que o número de pessoas, mesmo que maior e concentrado num mesmo horário, não coloque em risco a segurança de todos. Um shopping pode receber durante seu horário de funcionamento até 100 mil pessoas dias, de acordo com seu tamanho, mas pulverizadas entre 10h e 22h, todas elas juntas num mesmo horário seria um cenário assustador.

Vamos discutir os direitos e as falhas de nosso sistema, sim, mas não utilizando um espaço que pode parecer forte, mas é frágil. Afinal, queremos fazer barulho, virar manchetes, causar sensação ou realmente falar em nome das centenas de excluídos que são gerados nesse país, no país da Copa, dos grandes estádios e de chuvas de verão que assolam brasileiros e expõem famílias a perdas incalculáveis?

Não se discute relação a dois em elevadores, assim como não se muda o mundo, nem o sistema dentro de shopping. Tudo errado.

E ver pessoas achando certo, dizendo que “tem que liberar o rolezinho no shopping” é não pensar que uma correria desenfreada gerada por uma mera brincaderia pode colocar vidas em risco. Certamente quem incentiva, dificilmente irá. Outro contrassenso.

Podemos dizer em alto e bom som que todos somos iguais perante a lei. Isso não quer dizer que somos “iguais”. Há pessoas que frequentam lugares de forma pacífica e outras não. Um psicopata, independente da classe social, pode se infiltrar e promover o seu sonho de “Coringa”, e promover o seu “grande evento”: o caos. E por caos entendo tragédia e as consequências que dela derivam. Mas quem será o Batmam para combatê-lo?

Nas manifestações do ano passado, vimos praças e ruas tomadas pela quebradeira que foi provocada por uma minoria infiltrada. E o que querem os que advogam a favor do “rolezinho” dentro de um shopping? Quem pode garantir com tranquilidade que uma convocação nesse nível não acabe em tragédia? Os líderes em questão? Impossível. Um estouro de boiada dentro de um shopping pode se tornar tão dramático quanto o duro episódio da boate Kiss, em Santa Maria. Falamos tanto em prevenção de tragédias, o que querem esses intelectuais “engajados” e os revoltados de última hora? Assistir a uma crônica de mortes anunciadas?

Um shopping é aberto para todas as classes A, B, C e D, até mesmo porque a classe C subiu no ranking do consumo e já dá as cartas há alguns anos. Não se pede contra cheque para entrar em shopping e todos que frequentam “rolezinhos” falam em uníssono: “entrar no Shopping é moleza.” E eles estão certos. Quando estão lá dentro é que começa rolezinho. E quando a paz  do “rolezinho”acabar?

Não me tomem por uma pessoa de perfil excludente, até mesmo porque minha história política não me permitiria. Mas se um grupo de mauriçolas e patriçolas convocassem um “rolezinho” no shopping para reivindicar melhores férias no exterior pelas redes sociais, eu seria contra pelas mesmas razões:  segurança.

Mas, infelizmente, o pensamento esquemático não se preocupa com isso. Estão preocupados em racionalizar o problema jogando para plateia seus jargões gastos, como luta de classes, preconceito racial e outros temas que sempre mexem com a consciência culpada de cada um de nós. Um ponto é claro: eles não se preocupam com a segurança de ninguém até porque o pensamento que reivindicam como progressista é desinformado.

Depois que a tragédia acontecer, muitas mentes raivosas irão teclar freneticamente à procura de culpados. E rapidamente será criada uma página para fotos, vídeos e postagens em tempo real. Enquanto  intelectuais embarcarão para estudar o “rolezinho” em pós doutorados no exterior, MCs lançarão letras ritmadas e ensaios de moda com o “estilo” rolezinho serão clicados. Pois que esse movimento se esgote no verão e batize com seu nome algum novo drink descolado.

E terminando, brindo os leitores e os “pensadores esquemáticos” com uma citação do poeta romano Ovídio, e apelo para que haja mais reflexão antes de enviar jovens à guerra e incentivar algo que sabemos que não dará certo e haverá riscos. Para que se possa dormir tranquilamente:

“Quanta noite tenebrosa existe no coração dos homens!”. É isso.

 




tags Arrastão, Verão carioca, Shopping center, sociedade, modismos

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