Livros > Resenhas

Serena

Antes de falarmos sobre o livro, um conselho: leia esse livro em feriado prolongado, pois não é um livro comum, precisa de um pouco mais de atenção. Em três dias você pode ler esse livro numa boa e com isso valorizar detalhes da história que podem passar sem receber o devido "olhar".  Um outro ponto, apesar de ser um livro sobre espionagem, não obedece aos cânones do suspense.Não tem nada a ver com James Patterson, Grishan e outros ases da espionagem. Na verdade, o livro faz um mix entre alguns temas de cunho intelectual e de espionagem. Mas não para por aí, vai além. Mesmo que o leitor leia na contracapa do livro “um romance de espiões”, "Serena" é um gênero de romance que mergulha na essência do gênero da espionagem, mas adquire um caráter reflexivo que de alguma forma ri de si mesmo.

“Meu nome é Serena Frome (a pronúncia é Frum) e há quase quarenta anos fui enviada numa missão secreta do Serviço de Segurança britânico. Eu não voltei em segurança. Um ano e meio depois de entrar fui despedida, depois de ter caído em desgraça e acabado com a vida do meu namorado, embora ele certamente tenha tido um pouco a ver com sua própria queda”(pg7)


Narradora de suas próprias desventuras, Serena volta quatro décadas no tempo para relatar a missão para a qual foi enviada e "não voltou em segurança". O jargão dos agentes secretos, aqui, é uma ironia de como um caso amoroso leva a protagonista a meter os pés pelas mãos no único trabalho de verdade que recebeu em sua curta carreira, ao ser contratada pelo M15, o Serviço Secreto Britânico. O período em questão ao qual Serena nos situa historicamente é a primeira metade dos anos de 1970, anos com um cenário político conturbado e instável diante de tantas mudanças, impactos ideológicos e embates políticos que viriam a conduzir e mudar o mundo.

Serena nos é apresentada com a bela filha de um bispo anglicano e filha de uma mãe que determinaria seu destino, suplantando aos desejos da própria  filha de cursar Letras, levando-a a cursar a faculdade de matemática. Mas Serena nunca abandonou sua paixão pelos livros, pelas Letras e pelos romances. Porém, entre tantos autores que lia, ao entrar em contato com a obra de uma autor Russo, acabou desenvolvendo  um estranho sentimento anti-soviético - lembro que estamos nesse momento vivendo os anos da "Guerra Fria" - o mundo se encontra dividido. Através de seu " despertar" para essas questões e de seu engajamento político, na coluna de uma revista,  conhece o professor Tony Canning, um homem mais velho e ligado ao Serviço Secreto inglês,  e com quem se envolve afetivamente. Canning se tornaria seu "mentor" e esse encontro será decisivo para sua vida, alterando todo o seu caminho, e acabará por levá-la  a trabalhar no  Serviço de Segurança britânica. Com ou sem a sua aprovação, mais uma vez,  a vida de Serena segue por um novo caminho.

A presença das mulheres no serviço secreto britânico ainda era algo novo, e o trabalho de Serena, como de suas colegas, na verdade, não passava de secretárias de luxo. No entanto, por ser uma leitora voraz de romances, ela acaba sendo apresentada a uma missão de nome bastante sugestivo: “Tentação”. Em que consiste essa missão? Simples. Organizar uma fundação de fachada para financiar anonimamente um escritor contrário a cortina de ferro chamado Tom Healey, e colocar dentro de seus romances, visões políticas e doutrinações literárias com intuito de criar contrapontos a linha intelectual comunista tão presente no ideário da época. “Era a guerra fria das idéias.”

Mas é necessário ficar atento a esse roteiro curioso. Algumas perguntas precisam ser feitas. Cabe a você leitor decifrar esse enigma. Mas daremos uma pista. Quando o romance de Healey ganha um prêmio de prestígio, um labirinto burocrático de mentiras entram em cena. Serena conseguirá manter a ficção de sua vida secreta? E quem está inventando quem? O envolvimento entre Serena e Healey sofrerá uma degradação na medida em que os segredos de Serena e os agentes do serviço de segurança entram em cena? Conseguirá ela conviver com seus segredos e sua relação com o escritor de maneira intacta e verdadeira? Apesar de viver uma mentira seu amor por Healey é real? E na medida em que toda essa empulhação aumenta, qual o destino será traçado pelo narrador? Quem está no comando da história Serena ou Healey? Ian McEwan sabe que toda relação amorosa envolve uma espionagem e todos sucumbem a determinados fatos pessoais por desconfiança mútua ao esconderem particularidades íntimas com medo de perder um ao outro. O que é plenamente justificável. Criar uma ficção envolve uma espionagem real, pois quem a faz precisa pesquisar sobre a veracidade daquilo que está narrando. Todo romance requer uma espionagem, pois requer uma pesquisa que envolve saber fatos abonadores ou desabonadores de alguém, de algum lugar ou de algum ambiente, e por aí vai.

Portanto, a vida real não se diferencia da ficção, pois quem julga atos alheios e espiona para se colocar no comando de alguma situação exige um "algo mais". Exige um narrador que tenha a capacidade de seduzir. Em "Serena", Ian McEwan se supera e confirma não ter o menor pudor em usar seu talento para manipular o leitor. Serena não é um livro bom. É um livraço que merece ser lido e ter um lugar em sua estante.

O resto fica por sua conta, ou seja, desvendar os mistérios dessa história.

 


Data: 08 agosto 2016 (Atualizado: 08 de agosto de 2016) | Tags: Policial


< Suíte Francesa O sentido de um fim >
Serena
autor: Ian McEwan
editora: Cia. das Letras
tradutor: Caetano Waldrigues Galindo
gênero: Policial;

compartilhe

     

você também pode gostar

Resenhas

A entrega

Resenhas

O Falcão Maltês

Resenhas

A verdade sobre o caso Harry Quebert