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O Falecido MattiaPascal

Luigi Pirandello é muito mais conhecido como um dramaturgo que gosta de explorar temas relacionados a máscaras, disfarces e diferentes personalidades que as pessoas escolhem vestir. Foi um dos mais brilhantes escritores a afirmar a impossibilidade do romance realista nos tempos modernos e que construiu, passo a passo, sua personalidade de escritor. “O falecido Mattia Pascal” é o seu romance mais conhecido, publicado em 1904. O livro é fascinante, um clássico da literatura extremamente detalhista, muito bem estruturado.

O romance envolve uma série de reflexões sobre a natureza dos seres humanos e da vida que necessitamos conduzir, sendo considerado um ensaio crítico de natureza autobiográfica. A figura de Luigi Pirandello, pela sua importância, destaca-se claramente, em primeiro plano, sobre o pano de fundo da literatura de seu tempo.

É muito difícil integrá-lo em correntes ou movimentos literários específicos. Essa é uma situação típica do modo como qualquer escritor se insere no seu tempo: por um lado acompanha os parâmetros de uma época; por outro lado, dirige o seu olhar sempre mais além. No caso de Pirandello, o enquadramento das suas posições escapa completamente à rigidez de algum estilo específico, o que requer um pouco mais de atenção quando se faz uma crítica à sua obra. Como a proposta deste site de literatura não é fazer nenhuma análise literária, deixem para os acadêmicos essa tarefa. Aqui o objetivo é indicar boas leituras.

Como já dito acima, Pirandello é um autor que sempre gostou de explorar temas como identidade, disfarces e máscaras. “O Falecido Mattia Pascal” foi considerado a primeira grande obra (em prosa) que Pirandello assumiu como sua. De todos os seus romances, esse é o mais o mais conhecido e aplaudido.

Vamos a ele?

Mattia e Roberto Pascal são jovens irmãos despreocupados que vivem com sua rica mãe viúva na cidade de Miragna. A princípio, a vida da família Pascal era fácil, tinham dinheiro, viviam uma vida confortável, como o próprio Mattia (o protagonista) bem definia: eram dois vagabundos. Só que a morte do pai foi crucial para a ruína da família. Batta Malagna, que trabalhava para o pai e administrava o dinheiro da família, era um impostor que chorava junto da mãe dos rapazes os infortúnios das safras ruins que o obrigavam a contrair dívidas. Bem, na verdade ele estava embolsando o dinheiro da família.

“Levamos outra boa tunda! – dizia, todas as vezes, ao entrar”. (pg 25)

A viúva mantinha firme confiança em Batta, mesmo que todos ao seu redor, incluindo Mattia, soubessem que ele a estava traindo. Na adolescência, Mattia se apaixonou por uma bela jovem, Romilda Pescatore. Casou-se com ela, e viviam numa casa pobre. Mattia já estava falido, trabalhava em uma biblioteca da cidade.

No entanto, o trabalho não incomodava. O que o incomodava era algo diferente. Mattia não gostava do aspecto, digamos, altruísta do trabalho; em outras palavras, ser empregado. Na maior parte do dia, ele se via como escravo de outros interesses e sentia que sua vida era inerentemente mais sagrada e significativa do que sugeria a sua vida cotidiana.

A mãe de Romilda não queria aquele casamento de jeito nenhum, e resolveu ir morar com eles em um casebre minúsculo, tornando a vida de Mattia um verdadeiro inferno. Romilda engravida. Simultaneamente, dois eventos foram cruciais para o desfecho de toda aquela tortura. Sua mãe falece no mesmo dia em que sua filha morre após o parto.

Seu irmão Roberto conseguira casar-se com uma mulher de posses, uma família rica, e envia para Mattia uma quantia para ele enterrar a mãe. Desgostoso e desgastado, ele pega o dinheiro e some da cidade. Mattia decide pegar o dinheiro para viajar um pouco, então ele vai para Monte Carlo e ganha uma quantia ainda maior no jogo. Nesse momento, Mattia começa uma jornada arquetípica do herói, pois ele vai entrar em uma zona desconhecida para se recriar, resolver problemas profundos relacionados à sua natureza humana e dar um significado a ela. Mas, como veremos, a sua jornada não é simbólica, pois aponta não pelo heroísmo mas para o escapismo.

Tecnicamente ele estava rico. Depois de 12 dias curtindo a enorme quantidade de dinheiro ganho no jogo em um cassino em Monte Carlo, ele resolve voltar para casa, só que ele não contava com uma notícia lida no jornal. Mattia Pascal estava morto. Um corpo irreconhecível foi encontrado dentro de um poço de uma antiga propriedade da família. Ele havia se suicidado. E reconhecido pela esposa e a sogra, com quem Mattia havia se desentendido antes da partida.

        “Suicídio

Assim em negrito.

Pensei logo que podia tratar-se daquele Monte Carlo e apressei-me a ler. Mas parei, surpreso, na primeira linha impressa em tipo miudíssimo: “Telegrafam-nos de Miragno”.

Miragno? Quem será que se suicidou?, lá na minha aldeia? Li:

 “Ontem, sábado, 28, foi encontrado, na levada de azenha, um cadáver em estado adiantado de putrefação...”

 De súbito minha vista se enevoou, ao parecer-me entrever, na linha seguinte, o nome do meu sítio; e já que era difícil ler, só com um olho, aquela minúscula letra de imprensa, pus-me de pé, para ficar mais perto da luz.

“... putrefação. A azenha está localizada num sítio chamado da Stia, a cerca de dois quilômetros da nossa cidade. Depois da chegada, ao lugar, da autoridade judiciária e de outras pessoas, foi o cadáver retirado da levada para as verificações de lei, e posto sob vigilância policial. Mais tarde foi reconhecido como o nosso.”

 O coração pulou-me no peito e olhei em pânico, meus companheiros de viagem, que, todos, dormiam.

“Depois da chegada ao lugar... Mais tarde... como o nosso bibliotecário Mattia Pascal, desaparecido há vários dias. Causa do suicídio: dificuldades financeiras.”

- Eu?... Desaparecido... reconhecido... Mattia Pascal...”

 Reli, com expressão feroz e o coração em tumulto, não sei mais quantas vezes, aquelas poucas linhas. No primeiro impulso, todas as minhas energias vitais insurgiram-se violentamente para protestar, como se a notícia, tão irritante em seu impassível laconismo, pudesse ser verdadeira também para mim. Mas, senão para mim, ela era verdadeira também para mim. Mas, senão para mim, ela era verdadeira a véspera, de minha morte, constituía contra mim, uma violência intolerável, permanente, esmagadora. Olhei novamente meus companheiros de viagem e, quase como como se eles também, ali, debaixo dos meus olhos, repousassem naquela certeza, tive a tentação de sacudi-los de suas incômodas e penosas posições, sacudi-los, acordá-los, a fim de gritar-lhe que não era verdade.” ( pg 97, pg 98)

 

Quando defrontado com essa notícia, uma sensação de liberdade imensa havia tomado conta dele. Ele decide então assumir uma personalidade, uma nova vida, e lhe concedeu o nome de Adriano Meis. De sua existência anterior, ele terá apenas um olhar cortante. Ele tem um novo nome, ele muda de cabelo, de roupa, cria uma nova biografia, joga fora o seu anel de casamento. Ele viaja mas deve viver modestamente, porque precisa gastar o seu dinheiro para o resto da vida: a falta de documentos o priva das oportunidades de entrar no mercado de trabalho. Ele nem pode comprar um cachorro, pois, para isso, precisaria ter documentos.

Viajou por todos os lugares pelo sul da Alemanha, pelo norte da Itália. . Ele deixa de ser Mattia Pascal, transforma-se em uma ficção, em um nome cunhado por ele mesmo. Não pode se casar, nem trabalhar, nem mesmo ter uma verdadeira amizade, pois teme que alguém conheça o seu segredo. Ele se autocondenou a uma inexistência social.

 

Quando ele finalmente se instala em Roma em uma pensão familiar, ele se instala em um quarto de Anselmo Paleari, um velho excêntrico que se interessa muito por espiritismo. Mattia tem uma enorme simpatia por sua filha caçula Adriana – uma garota gentil, modesta, honesta, decente, todos os predicados de uma grande mulher. Adriana perdera a irmã, Rita. E Terenzio (seu cunhado), após a morte de sua mulher, precisava devolver o dote de Anselmo, pois sua esposa morreu sem deixar filhos. Terenzio pediu um adiamento para não devolver o dinheiro. Seu plano era se casar com Adriana, para ficar com o dinheiro, mas ela não gostava dele. Ela se apaixona por Mattia Pascal. Em mais uma virada, Adriano Reis (Mattia Pascal) é apresentado a Pepita Pantogada, neta de um embaixador.

Terenzio Papiano estava certo de que Mattia era um homem rico e quer apresentá-lo a Pepita Pantogada (uma mulher lindíssima) para distraí-lo de Adriana. Para que o plano desse certo, ele convida Mattia e Pepita para uma sessão espírita comandada por Anselmo (pai de Adriana e genro de Terenzio). Além deles, a governanta e o artista espanhol Bernaldes foram convidados. Enquanto a sessão espírita acontece com todos os ocupantes da casa, Mattias estava sendo roubado. Perdeu doze mil liras. E estava claro que, se havia um culpado, só podia ser um: Terenzio Papiano. Quando sente falta do dinheiro, Adriana sugere que ele avise a polícia, mas ele não pode dar queixa, ele não se chama Adriano Reis, Mattia Pascal estava morto. Ele não pode se casar com Adriana, por mais que a ame, pois ainda era casado. Para tentar sair dessa aflição, resolve silenciar, mente que o dinheiro havia sido achado e vai embora.

 

Mattia, depois de vários atropelos (que não contarei), acaba desistindo de sua segunda vida: deixa uma bengala e um chapéu na ponte para que todos pensem que ele se suicidou. Adriano Meis não existe mais., Ele entra no trem e retorna para sua terra natal. A única coisa que ainda tinha de Adriano Meis era a operação realizada com sucesso em seus olhos.

Quando chega em casa, Mattia visita o seu irmão Roberto pela primeira vez. Sabe que sua ex-mulher havia se casado com Pomino depois de seu suposto suicídio, e ele consegue anular o seu casamento por lei e voltar a ser Mattia.

Fico por aqui. Não pense no spoiler, existem episódios do livro que não foram dissecados nesta resenha. No livro “O Falecido Mattia Pascal”, de Pirandello, observamos que o ser humano Mattia Pascal está parcialmente morto. Nesse momento, desprovido de identidade coesa e de uma realidade, ele busca incessantemente uma nova, através da máscara de Adriano Meis, outra identidade.

Adriano Meis não pode escapar totalmente de Mattia Pascal. Mattia Pascal também não pode escapar totalmente de Adriano Meis. No romance, a busca para entender a jornada de Pascal por significado é ironicamente desafiadora, uma vez que o enredo da história é basicamente que ele próprio não consegue encontrar significado narrativo à sua própria vida. “O Falecido Mattia Pascal” de Luigi Pirandello, merece um lugar de honra na sua estante.


Data: 30 março 2020 (Atualizado: 30 de março de 2020) | Tags: Tragicômico


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O Falecido MattiaPascal
autor: Luigi Pirandello
editora: Abril S.A Cultural e Industrial
gênero: Tragicômico;

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